São Sebastião, protetor contra a gripe espanhola

Na região de Vargem Grande as preces a São Sebastião pelo fim da pandemia de gripe espanhola geraram como fruto uma comunidade paroquial dedicada ao santo patrono da cidade

A pequena capela de São Sebastião, terminada em 1923, demolida no início da década de 80.

Eduardo Douglas Santana Silva, seminarista da Configuração 1*

Na história humana, a presença das pestes e epidemias sempre foi uma constante. Célebre foi a peste de Atenas, no séc. V a.C., que matou Péricles, o grande estadista da democracia ateniense. Já na era cristã, o bispo Eusébio de Cesareia, na sua História Eclesiástica, nos dá uma bela notícia de como os cristãos enfrentaram a peste que assolou Alexandria no séc. III, dando aos pagãos grandes mostras de caridade ao não temer a contaminação para ajudar os doentes. Na Idade Média a chamada peste negra até hoje é lembrada pela assombrosa mortandade causada em toda a Europa. E no início do séc. XX foi a vez da gripe espanhola, que veio se unir às dores já causadas pela I Guerra Mundial. Contaminando pelo menos 500 milhões de pessoas em todo o mundo, estima-se que o número de mortos tenha sido entre 17 milhões e 50 milhões. No Brasil, estima-se que possa ter ceifado até 300 mil vidas.

No Rio de Janeiro, então capital federal e porta de entrada para muitos estrangeiros, a gripe espanhola fez igualmente muitas vítimas. Além dos esforços médicos, os cariocas contavam também com celestial ajuda. Desde o séc. XVI a cidade estava colocada sob o patrocínio do glorioso mártir São Sebastião, desde muitos séculos invocado como advogado contra a peste, e que não foi menos invocado durante as aflições causadas pela gripe. Procissões, novenas, missas em honra do mártir-soldado e tudo mais que pudesse proporcionar a fé para alcançar do céu a graça do fim das mortes foi empregado pelos cariocas.

Na região de Vargem Grande as preces a São Sebastião pelo fim da pandemia de gripe espanhola geraram como fruto uma comunidade paroquial dedicada ao santo patrono da cidade. Numa região que na época tinha uma diminuta população, os números estimados entre 180 e 200 mortes que nos dão os dados históricos assombrou os moradores das Vargens. O único cemitério da região, o cemitério de Piabas, já não conseguia suprir a necessidade de covas, com enterros sendo feitos em valas coletivas.

Diante dessa realidade tão difícil, uma moradora da região, Mercedes Batista dos Santos, ou D. Santinha, como era popularmente conhecida, reuniu algumas mulheres para que pudessem rezar o terço rogando a Deus pelo fim da pandemia. Nessa ocasião teria feito a promessa de que, caso não ocorressem mais mortes na região, doaria um terreno para a construção de uma capela em honra a São Sebastião. Fato é que o santo parece ter ouvido imediatamente as preces e as mortes em decorrência da gripe espanhola cessaram na região das Vargens. Ajudada pelo genro, o Dr. José Ferreira dos Santos Baltar, conhecido como Dr. Zequinha Baltar, D. Santinha doou o terreno e os materiais necessários, cumprindo sua promessa. E em 1923 surgia a Capela de São Sebastião, no largo de Vargem Grande.

No início da década de 80 a capela foi derrubada em virtude de seu estado precário, e ali se construiu um novo templo, que em 1987 se tornaria a matriz da paróquia de São Sebastião.

A história da devoção a São Sebastião nas Vargens é reflexo da presença da devoção ao santo padroeiro do Rio de Janeiro em toda a sua história. Desde o séc. XVI, quando Estácio de Sá fundou a “Muito Leal e Heroica Cidade de São Sebastião de Rio de Janeiro”, até os nossos dias, São Sebastião surge como figura de um especial guardião do povo carioca. Seja na batalha das canoas, no período da gripe espanhola ou na pandemia que ainda vivemos, esse Santo Mártir tem sempre dado grandes mostras de sua intercessão protetora. Que a exemplo da fé daqueles que por primeiro edificaram a pequena capela de São Sebastião em Vargem Grande, possamos hoje apresentar nossa súplica e homenagem ao glorioso mártir Sebastião.

* Publicado originalmente no jornal “Testemunho de Fé”, da Arquidiocese de São Sebastião do Rio de Janeiro

 

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