A paz essencial não é a paz meramente privativa ou negativa: a mera ausência de lutas, perturbações, conflitos. Entenda:
A Legenda dos Três Companheiros, um dos documentos biográficos mais importantes sobre São Francisco, fala de um “precursor” de São Francisco, um cidadão anônimo, que andava por Assis saudando toda a gente deste modo: “Paz e bem!”, “Paz e bem!”. Esta se tornou, há muito, a saudação franciscana por excelência. O princípio, o meio e o fim da pregação de São Francisco se resumia nisso: paz. A saudação de Francisco soava: “O Senhor te dê a paz!”. O mensageiro de Jesus Cristo é alguém que proclama a alegre mensagem da paz. Nas suas palavras, no seu fazer e no seu sofrer, a paz é posta em obra.
A paz essencial não é a paz meramente privativa ou negativa: a mera ausência de lutas, perturbações, conflitos. Não é a comodidade do autoasseguramento humano, nem se reduz à mera segurança legal (como a pax romana). Não é ainda o frágil acordo de interesses particulares, nem o mero equilíbrio de forças hostis. Se a convivência humana não fundar seus acordos e tratados de paz na ordem da justiça, estes oferecerão apenas uma paz aparente. “Justiça é o coração da paz, sua guardiã e sua nutriz”, dizia, no século XV, o teólogo João Gerson.
A paz é essencialmente a tranquilidade da ordem. A ordem é uma unidade relacional, em que a disposição das coisas segundo suas diferenças e segundo suas igualdades é constituída. A ordem universalíssima e primeira é a do ser. A paz essencial, ontológica, se dá na vida do homem quando ele está em harmonia com o todo, quando ele segue o curso da terra e do céu, das coisas humanas e das coisas divinas, segundo suas dinâmicas próprias, segundo suas identidades, diferenças e igualdades. A paz se dá com e como a plenitude de sentido do viver, quando o ser humano, satisfeito com a gratuidade da vida, numa atitude de finitude agraciada, flui na liberdade do ser. Há paz, ali onde há liberdade. Há paz, ali onde vige a quietude, a tranquilidade, a calma, em que o ser, a vida, é abrigada, em sua essência, isto é, em seu pleno vigor, em sua saúde. Por isso, este voto de paz é uma saudação: algo que comunica saúde. Paz há ali onde há unidade. A paz é o estar recolhido num abrigo essencial, em que o ser, a vida, em seu pleno vigor, e a unidade são resguardados. Paz e salvação andam juntas. Francisco, perpassado pelo espírito dos profetas, anunciava a paz, pregava a salvação. Salvação não quer dizer apenas escapar do perigo. Salvação quer dizer libertação para a liberdade. Quer dizer ser abrigado, protegido, no vigor pleno, essencial, da vida.
Onde cresce a paz, cresce, floresce e frutifica o bem. O bem é o que é íntegro, isto é, o que é segundo o todo. O bem aparece na consumação de uma obra que avança, que se potencializa e se torna bem-aventurada. Paz e bem acontecem numa unidade, quando a obra da vida do homem deslancha na libertação para a liberdade da verdade, quando ela sucede conforme o amor, quando ela se torna uma boa ventura, e, assim, se faz feliz.
Essa mensagem de Paz e bem, porém, não é apenas individual. Ela é também comunitária e social. Assim como os indivíduos, também as comunidades e os povos carecem de trilhar um caminho que seja a realização de um projeto de paz e de bem. Ali onde a convivência humana é continuamente fraturada e exposta a ameaças de destruição, de aniquilação e de devastação, ali se faz necessário ouvir sempre de novo a saudação e o anúncio da paz e do bem. É preciso tecer de novo as relações de modo que os tecidos das comunidades, das sociedades, dos povos sejam reintegrados na força da paz e do bem. São Francisco, nas comunas e nas cidades aonde ia, sempre de novo, era um portador da paz, um artífice da paz, um homem que impelia seus próximos a se unirem na busca comum da paz e do bem. Que assim seja também conosco.