O cristão que utiliza de objetos sagrados somente como proteção, sem depender de Deus, é um supersticioso. Esses objetos devem manifestar o amor que se tem a Deus
Por Aleteia / Hozana
As aparições da Maria sempre estiveram ligadas a algum momento importante na vida da Igreja que, em movimento, continua a esquecer que Deus “nos disse tudo de uma vez e a um só tempo no seu Filho” (São João da Cruz). Desta forma, ela vem para nos recordar. Esta é a missão que recebeu aos pés da Cruz: ser mãe e educadora da Igreja. Só aparece para levar seus filhos de volta a Deus, à Palavra, ao que Jesus pediu no Evangelho. Manifesta seu amor materno, aparecendo não para revelar uma nova doutrina ou algo nunca dito antes, mas para recordar incansavelmente a mensagem de Jesus.
Também têm como característica acentuar talvez um ou outro aspecto particularmente urgente numa determinada época, num determinado lugar. Nossa Senhora apareceu nos mais variados lugares: Banneux, Beauraing, Czestochowa, Fátima, Guadalupe, La Salette, Lourdes, Notre Dame du Cap, Pontmain, Rue du Bac, Siracusa, Mediugórie, dentre outros.
É preciso deixar claro que as aparições de Maria, de qualquer santo ou anjo a uma pessoa, é uma revelação particular. Desde que seja verdadeira, nada acrescenta ao que já nos foi revelado por Jesus Cristo quando da sua encarnação entre nós. Daí, acreditar ou não nas aparições e suas mensagens não é ponto de fé e doutrina, mas uma experiência de piedade popular muitas vezes incentivada pela Igreja onde aconteceu a aparição. “Se a ou as mensagens de uma ‘aparição’ não têm uma base de apoio sólida relativamente ao dado revelado e à doutrina da Igreja, é sinal evidente de uma não-autenticidade, de uma falsificação consciente ou inconsciente. Compete a autoridade eclesiástica verificar se esta ou aquela manifestação atribuída a Maria apresenta as garantias suficientes que permitam autorizar o culto no local da aparição e a difusão da mensagem” (Dicionário Mariano). Deve-se, porém, frisar que a decisão da mesma autoridade não deve vincular a fé em sentido estrito, ou seja, a devoção a Maria continua, porque sabemos que ela nunca agiria contra a Igreja de seu Filho. Isto entendido, agora sim vamos entender a Medalha milagrosa.
Contexto histórico
Para entendermos o porquê da aparição de Nossa senhora a Santa Catarina Labouré, é necessário antes compreendermos o contexto histórico vivido. A literatura da época estava impregnada de ateísmo, levando as mentes ao irracional e ao fantástico. Além disso, quando, em 1830, ia se instalar um regime político antirreligioso, desenvolvendo uma forma de capitalismo liberal particularmente materialista, a Virgem então propõe não um objeto científico, mas um objeto simples, uma medalha que fala das realidades celestes. A difusão dessa peça se dá no momento também de uma renovação do Catolicismo social com Frederico Ozanam e as Conferências de São Vicente de Paulo. Ocorria uma vitalidade da reflexão universitária e literária católica. Tudo isso era reforçado com a medalha que mostrava a intervenção de Deus na história não só da França, mas de todo o mundo.
A história da Medalha Milagrosa
Assim, a medalha milagrosa e todo seu mistério teve origem em Paris, França, no dia 27 de novembro de 1830, quando a noviça da Congregação de São Vicente de Paulo, Catarina Labouré entrou na capela da congregação para fazer suas orações. Nesse dia a Virgem Maria apareceu e fez uma revelação que se transformaria numa onda extraordinária de milagres e maravilhosas conversões. A revelação era a Medalha Milagrosa de Nossa Senhora das Graças. Em sua visão ela vê o verso e o reverso da medalha. No verso, a inscrição que Nossa Senhora apresentou na visão: “Ó Maria concebida sem pecado, rogai por nós, que recorremos a Vós”. A qualificação “concebida sem pecado”, ainda não era mencionada na época nem nas orações, nem nos escritos sobre Nossa Senhora, e não tinha sido afirmado num dogma. Assim, a visão tornou-se testificada pelos teólogos da época, uma vez que era impossível que uma noviça francesa tivesse conhecimento dessa verdade naquela época.
O Arcebispo de Paris, a quem Catarina Labouré levou o pedido de Nossa Senhora, para que se cunhassem as medalhas, percebeu a riqueza doutrinária que ela continha. As primeiras 20 mil medalhas foram confeccionadas, em 1830, ano em que uma epidemia vinda da Rússia, por meio da Polônia, irrompeu em Paris, ceifando vidas. Em 1832, houve a primeira distribuição dessas peças por ocasião da epidemia da cólera, que dizimava a capital francesa. A Igreja falava na santa medalha, mas o povo logo a chamou de medalha milagrosa. Quando Santa Catarina Labouré faleceu, dia 31 de dezembro de 1876, já um bilhão de medalhas tinham sido distribuídas.
Amuleto ou sacramental?
De acordo com Plínio, autor romano do século I, amuleto é um objeto que protege as pessoas dos problemas. Podem ser tanto objetos naturais como criados pelo homem. Entre os seus tipos mais comuns destacam-se ferradura, pés de coelho, joias, pedras, ossos, conchas, chifres, entre outros.
Por outro lado, os sacramentais são sinais sagrados, pelos quais à imitação dos sacramentos, têm significados efeitos espirituais, obtidos pela intercessão da Igreja. Por eles, os fiéis se dispõem a receber o efeito principal dos sacramentos e são santificadas as diversas situações da vida. Seu objetivo é consagrar toda a vida do homem a Deus e o seu ambiente de vida, para que ele esteja livre dos perigos e voltado sempre para Deus, livrando-os sempre dos pecados. São classificados como: objetos (medalhas, crucifixos, rosários, escapulários…) e orações: bênçãos (alimentos, oficinas, casas, carros, imagens, máquinas, campos, doentes, etc.); consagrações (igreja, altar, cálice, Abade, Virgem, criança após o batismo, esposa, esposo…) e exorcismos.
É preciso entender que a eficácia santificadora dos sacramentais é diferente dos sacramentos. Ela tem a sua força na oração da Igreja e das disposições da pessoa que recebe ou utiliza o sacramental. Esta eficácia é chamada de “ex opere operantis Ecclesiae”, depende da fé e devoção do ministro e do fiel. No sacramento é diferente, sua eficácia (realização) independe da santidade do ministro e do fiel, pois é ação de Cristo (ex opere operato).
Não se pode exagerar o valor do sacramental, como se fosse um rito mágico ou um amuleto, superstição ou fanatismo. No entanto, não se pode desprezar o seu valor, pois o Concílio Vaticano II reafirmou também a sua necessidade. Os sacramentais protegem do mal e não deixam colocar Deus em segundo lugar.
Havendo um único Deus, devemos ter confiança n’Ele, ter a certeza do salmista quando nos diz: “O Senhor vai te proteger quando sais e quando entras, desde agora e para sempre.” (Sl 121,8). Ora, não precisamos recorrer a objetos de superstição, uma vez que, o próprio Deus nos guarda. Ele é o Pai que dá segurança e proteção para nós que somos Seus filhos.
Dentro da própria Igreja podemos cair nas superstições. Isso acontece quando se “atribui só à materialidade das orações ou aos sinais sacramentais a respectiva eficácia, independentemente das disposições interiores que exigem” (CIC 2111). O cristão que utiliza de objetos sagrados somente como proteção, sem depender de Deus, é um supersticioso. Esses objetos devem manifestar o amor que se tem a Deus, ou seja, para louvá-lo. Servem para demonstrar que se é cristão, embora o mais importante é a intenção do coração, pois é dele que saem as boas ou más intenções (Mt 15,19).
Medalha Milagrosa favorece a proclamação de um dogma
O fato é que, no ano 1854, apenas 24 anos depois das aparições, o dogma da Imaculada Conceição foi proclamado oficialmente pelo Papa Pio IX na Bula Ineffabilis Deus. Nossa Senhora mesmo confirma isso 4 anos depois, ao aparecer em Lourdes, para Bernadete Sobirous. Alguns anos mais tarde, Papa Pio XII escreveu: “Esta piedosa medalha foi, desde o primeiro momento, instrumento de tão numerosos favores, tanto espirituais como temporais, de tantas curas, proteções, e sobretudo conversões, que a voz unânime do povo a chamou, desde logo, “Medalha Milagrosa”.
Wellington de Almeida Alkmin, pelo Hozana