O Papa Francisco está de visita ao Cazaquistão de 13 a 15 de setembro, a sua 38ª viagem fora da Itália. Embora o Papa a tenha apresentado como uma “viagem tranquila”, os riscos envolvidos nesta viagem são significativos. Aqui estão algumas explicações
Aleteia / Camille Dalmas
Ao deslocar-se ao Cazaquistão de 13 a 15 de setembro, o Papa Francisco é o segundo pontífice a visitar esta vasta república da Ásia Central depois de João Paulo II em 2001. Guerra na Ucrânia, diálogo com os ortodoxos e relações com a China: embora o Papa tenha apresentado esta viagem como uma “viagem tranquila”, as questões envolvidas são significativas.
1 – DIÁLOGO ENTRE AS RELIGIÕES TRADICIONAIS
O coração da visita do Papa Francisco a Nur-Sultan, a cidade onde ele ficará durante toda a sua estadia no Cazaquistão, é a sua participação num grande encontro inter-religioso organizado pelo governo. Inspirado nas reuniões de Assis e apoiado pela Santa Sé desde o seu lançamento em 2003, o Congresso de Líderes das Religiões Mundiais e Tradicionais é fruto do desejo do ex-Presidente Nur-Sultan Nazarbayev de promover um diálogo entre os líderes religiosos para os exortar a trabalhar em conjunto pela paz e tolerância. O Papa, um convidado especial no encontro, deverá proferir dois discursos e encontrar-se com outros líderes.
O tema escolhido pela organização do Congresso – construir um mundo pós-pandémico – ecoa diretamente uma reflexão desenvolvida pelo Papa na encíclica Fratelli tutti em 2020 – e em muitos textos subsequentes. Na sua encíclica, o pontífice explicou que a crise era um indicador da necessidade de construir uma sociedade mais fraterna para a humanidade. Para alcançar esta fraternidade universal, apostou na coexistência de religiões orientadas para a paz e o desenvolvimento comum.
O Papa Francisco voltará também a encontrar-se em Nur-Sultan com uma pessoa que inspirou a sua encíclica, o grande imã de Al Azhar Ahmed al-Tayyeb. Com este último, assinou o Documento sobre a Fraternidade em 2019 em Abu Dhabi, um texto que encoraja a cooperação harmoniosa das religiões em prol da paz. Como o evento é organizado por um país secular mas predominantemente muçulmano (70%), acolhe importantes representantes muçulmanos de todo o mundo, com os quais o Papa também poderá encontrar-se no dia 14 de Setembro.
2 – A SOMBRA DA GUERRA NA UCRÂNIA
A cimeira será marcada pela notória ausência do Patriarca de Moscou, Kirill, que tinha sido anunciado como participante mas que finalmente abandonou a viagem. O projeto de um encontro entre o Papa Francisco e o chefe da Igreja Ortodoxa Russa, o segundo desde o encontro histórico em Havana, Cuba em 2016, falhou mais uma vez, após um projeto abortado em Jerusalém em junho passado.
O encontro com Kirill continua a ser um “desejo” do Papa, assegura o chefe do Gabinete de Imprensa da Santa Sé Matteo Bruni. O Papa Francisco participará na reunião juntamente com uma delegação da Igreja Ortodoxa Russa. Poderiam esperar-se intercâmbios entre membros das delegações católica e moscovita, disse uma fonte do Vaticano.
Mesmo que o avião de Francisco evite voluntariamente sobrevoar a Ucrânia e a Rússia – acrescentando assim uma hora extra ao programa – a questão da promoção da paz na Ucrânia deveria ser um tema importante para o pontífice. As suas palavras serão de qualquer modo particularmente ouvidas neste país que, para além de uma grande população de língua russa e ortodoxa russa, é o lar de uma minoria ucraniana e nomeadamente de uma pequena comunidade greco-católica.
3 – PRESENÇA NO LOCAL DO PRESIDENTE CHINÊS
A 14 de Setembro, enquanto o Papa Francisco participará na reunião inter-religiosa, o Presidente Xi Jinping fará a sua primeira viagem ao estrangeiro desde o final de 2019 para Nur-Sultan. A proximidade geográfica dos dois homens, que nunca se encontraram – como nenhum papa e líder chinês antes deles – é uma coincidência preocupante que vários meios de comunicação social não deixaram de destacar.
A Santa Sé, quando questionada sobre a oportunidade de uma reunião, manteve o anunciado programa do pontífice, que não inclui um intercâmbio com o Chefe de Estado chinês. Pequim não comunicou sobre a presença dos dois homens no mesmo dia em Nur-Sultan.
A falta de uma reunião, porém, diz muito sobre o estado das relações entre a China e a Santa Sé. Pequim não parece mais interessado numa reunião do que em março de 2019, quando Xi Jinping visitou o Presidente italiano Sergio Mattarella em Roma, mas ignorou os apelos do Secretário de Estado Pietro Parolin, que manteve a “porta aberta” ao líder chinês. Contudo, a questão da renovação do acordo pastoral celebrado entre a China e a Santa Sé em 2018, que permite a nomeação de bispos tanto pelo Papa como pelo governo chinês, deve ser resolvida em outubro. Neste contexto, qualquer possibilidade de interação, mesmo a um nível inferior – por exemplo entre membros das delegações chinesa e vaticana – será acompanhada com grande atenção no Cazaquistão.
4 – UMA VISITA PASTORAL AO CORAÇÃO DA ÁSIA
No Cazaquistão, o Papa Francisco também entrará em contato com uma das pequenas comunidades cristãs que ele visitou frequentemente nas suas viagens anteriores. A comunidade neste grande país da Ásia Central tem uma história particular, porque é principalmente o resultado de deportações. Estas foram realizadas primeiro pelos czares e depois, de forma mais maciça, pelo regime soviético, e diziam respeito às populações alemãs, polacas, ucranianas e bálticas que se encontravam em território russo na altura.
Embora muitos destes católicos exilados tenham regressado a casa após a queda do Muro de Berlim, um número permaneceu no Cazaquistão e forma a pequena população católica atual. O Vaticano estima que existem hoje 125.000 católicos, cerca de 1% da população do Cazaquistão. Com 81 paróquias, 6 bispos, mais de 100 padres e 138 religiosos, é um pequeno núcleo do catolicismo que ainda vive no coração da estepe. A Igreja Católica no Cazaquistão também dirige cinco escolas, dois lares de idosos, dois dispensários médicos e três orfanatos.
A boa relação entre o Vaticano e o governo cazaque assegura que a comunidade coexista em harmonia com outras religiões, especialmente com o Islã. A Igreja está a mostrar um certo dinamismo: os bispos cazaques juntaram-se recentemente a outros na região para formar uma conferência da Ásia Central – Uzbequistão, Turquemenistão, Quirguizistão, Mongólia, etc. – a fim de dar um novo ímpeto à sua presença.
5 – A INEVITÁVEL QUESTÃO DA SAÚDE DO PAPA
Como em todas as viagens, a saúde de Francisco será atentamente observada pelos jornalistas que o acompanham. O Papa foi submetido a uma grande operação ao seu cólon em julho de 2021 com a remoção de 30 cm de intestino – intervenção da qual afirma ter se recuperado – mas sofre de fortes dores no joelho há vários meses – mencionou uma fratura – ao ponto de já não poder mover-se sem uma bengala e, na maioria das vezes, prefere uma cadeira de rodas.
A organização da viagem foi adaptada, como foi no Canadá, ao problema de mobilidade do Papa: ele continua a utilizar o avião da ITA Airways utilizado em julho passado, o que é mais conveniente para a instalação do pontífice. O “tempo de recuperação” também foi incluído no programa, que está muito menos ocupado do que estava no início do pontificado. A viagem também deve ser menos cansativa do que outras, uma vez que o Papa não deixará a capital do Cazaquistão.
A Santa Sé já relatou um detalhe interessante sobre a viagem: o Papa não deveria ter de entrar ou sair do avião através de um elevador no Aeroporto Internacional de Nur-Sultan, como costuma fazer. Uma “passarela” deveria permitir-lhe participar numa cerimónia de boas-vindas no aeroporto, não na pista.