O anteprojeto pretende alterar substancialmente as regras da nossa sociedade civil e consolida uma visão liberal, ou progressista, muito embora o texto nem sempre explicite isso.
Por O São Paulo*
Nas últimas semanas, a mídia noticiou a possível alteração do Código Civil. É um assunto relevante para os cristãos, especialmente pela importância que essa lei possui na sociedade.
Em setembro de 2023, o Senado Federal criou uma comissão de juristas para uma ampla atualização dessa lei. Em seis meses de trabalho, apresentou-se um anteprojeto de lei, voltado a adequar-se às “novidades” das últimas duas décadas.
As propostas para o Direito de Família, em especial, propõe uma verdadeira mudança filosófica e ideológica na legislação. Elas nos mostram o quão proféticas e pertinentes foram as orientações dos Papas aos fiéis quanto a tais temas.
Os pontos centrais apresentados já foram enfrentados e refutados, entre outros documentos, pelas encíclicas Casti Connubii, de Pio XI (1930), e Humanae Vitae, de Paulo VI (1968), além da exortação apostólica Familiaris Consortio, de João Paulo II (1981).
O anteprojeto ainda não é uma lei. Ele precisará ser analisado e votado pelos senadores e pelos deputados federais.
Todavia, causa espanto a velocidade da tramitação até o presente momento. Por exemplo, o atual Código Civil começou a ser elaborado em 1969 e foi finalizado apenas em 2001, transcorridos 30 anos de profundos debates, interrupções e retomadas. Os estudos de juristas, liderados por Miguel Reale, levaram cerca de seis anos – período muito maior do que os seis meses da atual proposta.
Os debates necessitariam ser profundos, respeitando o tempo necessário para isso. Uma lei que trata amplamente do funcionamento da sociedade civil, cujas regras definirão princípios jurídicos responsáveis pela organicidade do Direito, condicionando a aplicação das demais leis brasileiras, deve ser debatida com muito cuidado.
O anteprojeto pretende alterar substancialmente as regras da nossa sociedade civil e consolida uma visão liberal, ou progressista, muito embora o texto nem sempre explicite isso. Vejamos alguns pontos.
O texto expressamente exclui da categoria de “família” as uniões poliafetivas (mais de duas pessoas), mas propõe proteger o direito patrimonial oriundos dessa relação.
A indissolubilidade do casamento também é desprestigiada – o divórcio sobe à categoria de um direito incondicionado: se aprovado o projeto, basta que um dos cônjuges vá a um cartório de registro civil para formalizar o divórcio, como se tratasse de uma banalidade.
Quanto ao direito à vida, o projeto segue uma linha jurídica “concepcionista”, a qual presume a proteção ao ser humano desde a concepção, porém de uma forma profundamente dissonante do direito natural. Por exemplo, fala-se em “potencialidade da vida humana pré-uterina”, ou seja, não se reconhece a vida desde a concepção, mas protege-se o potencial de o embrião se tornar um ser humano.
O anteprojeto propõe também a legalização da cessão temporária do útero (barriga de aluguel), além da fertilização in vitro já amplamente praticada, ferindo a dignidade humana ao coisificar a vida humana na raiz, ou seja, no modo de um ser humano ser gerado, dissociado a geração de uma nova vida do natural ato de amor e entrega entre um homem e uma mulher unidos em matrimônio.
Há um consolo: proíbe-se expressamente a manipulação genômica ou eugênica, além do uso de embriões para pesquisas ou fins comerciais.
A proposta também traz a possibilidade de multiparentalidade, e a temerária presunção de paternidade aos homens que recusam a realização de testes de DNA, mesmo extrajudicialmente.
É importantíssimo que a sociedade civil, composta também por nós, cristãos, permaneça atenta e ativa no debate sobre alteração de leis no País, para que, pela Graça de Deus, a dignidade humana preconizada por Nosso Senhor prevaleça.
*Editorial do jornal da Arquidiocese de São Paulo, de 24 de abril de 2024.