Ao encontrar na Sala Paulo VI os membros da Associação Retrouvaille, o Papa recorda o valor das feridas familiares que, se colocadas a serviço dos outros, ajudam a curar quem as vivencia. Salienta que a crise faz parte da história da salvação e convida a «perder tempo» para acompanhar os cônjuges com paciência, respeito e disponibilidade.
Antes do encontro com o Santo Padre, houve espaço para alguns testemunhos e também para a escuta de Fr. Marco Vianelli, há dois anos diretor do Escritório para a Família da Conferência Episcopal Italiana. O sacerdote lembra que a experiência de acompanhamento das famílias feridas é um recurso precioso, porque das feridas surgem na maioria das vezes lacunas.
Tenham medo do conflito, não das crises
Dirigindo-se aos representantes presentes na Sala Paulo VI, o Papa saúda este “encontro” precisamente durante o Ano da Família Amoris Laetitia. O que devemos temer é cair no conflito – sublinha Francisco – porque é difícil encontrar uma solução no conflito. “Por outro lado, a crise te faz dançar um pouco, às vezes te faz ouvir coisas ruins, mas da crise se pode sair, desde que dela se saia melhor”. E acrescenta que dificilmente se pode sair sozinho da crise. Portanto exorta, saindo do discurso escrito, a não ter medo da crise, mas sim temer o conflito.
Crises conjugais como oportunidade
O Papa se detém imediatamente na palavra crise que o período pandêmico infelizmente nos tornou familiar. A crise é considerada pelo Papa como “uma oportunidade de dar um salto qualitativo nas relações”. E faz referência à Exortação Amoris laetitia na parte dedicada às crises familiares (cf. 232-238). Leva em consideração então, com base nas experiências dos casais, a outra palavra-chave: feridas.
Porque as crises das pessoas produzem feridas, chagas no coração e na carne. “Feridas” é uma palavra-chave para vocês, faz parte do vocabulário diário da Retrouvaille. Faz parte da sua história: de fato, vocês são casais feridos que passaram pela crise e estão curados; e precisamente por isso são capazes de ajudar outros casais feridos. Vocês não abandonaram, você não foram embora. Vocês pegaram nas mãos a crise para buscar uma solução.
As feridas dos casais, um dom a ser compartilhado
Francisco agradece a Retrouvaille porque a experiência vivida pelos cônjuges é colocada a serviço dos outros. E fala de “um dom precioso quer a nível pessoal como eclesial”, e agradece porque é um gesto que faz crescer e amadurecer outros casais.
Hoje há tanta necessidade de pessoas, de cônjuges que saibam testemunhar que a crise não é uma maldição, faz parte do caminho e constitui uma oportunidade.
Aqui, mais uma vez saindo do discurso preparado, o Papa insiste que também os padres, os bispos devem trilhar este caminho, o de considerar a crise como uma oportunidade. “Pelo contrário – diz ele – seríamos padres e bispos fechados em nós mesmos, sem um diálogo real com as outras pessoas”.
Mas, para ter credibilidade, é preciso ter experimentado isso. Não pode ser um discurso teórico, uma “exortação piedosa”; não seria credível. Em vez disso, vocês levam um testemunho de vida. Estavam em crise, estavam feridos; graças a Deus e com a ajuda de seus irmãos e irmãs vocês estão curados; e decidiram partilhar a sua experiência, colocá-la ao serviço dos outros.
O Papa então menciona os dois textos bíblicos, do Bom Samaritano e de Jesus ressuscitado, que mostra suas chagas aos discípulos. São passagens do Evangelho que a Associação considera correlatas e cuja justaposição – observa Francisco – o ajudou a ver melhor que a ligação entre essas duas figuras “passa pelas feridas, chagas”.
No personagem do Bom Samaritano, sempre foi reconhecido Jesus, desde os escritos dos Padres da Igreja. A experiência de vocês ajuda a ver que aquele samaritano é o Cristo Ressuscitado, que conserva no próprio corpo glorioso as chagas e precisamente por isso pode – como diz a Carta aos Hebreus – sentir compaixão por aquele homem ferido abandonado ao longo do caminho, pelas feridas de todos nós.
Os cônjuges, protagonistas de uma comunidade que “acompanha”
No centro do discurso do Papa está também a palavra acompanhar, “uma das palavras mais importantes no processo sinodal sobre a família de 2014-2015” e que constitui – afirma o Pontífice – a primeira resposta à realidade de tantos casais em dificuldade ou já divididos.
A ênfase aqui é que este compromisso diz respeito obviamente ao ministério dos pastores, “mas envolve também em primeira pessoa os cônjuges, como protagonistas de uma comunidade que os acompanha”.
O Papa elogia a experiência de Retrouvaille também porque nasceu “de baixo”, na escuta do Espírito Santo que “desperta na Igreja novas realidades que respondem a novas necessidades”. A conclusão do discurso do Papa é confiada à imagem de Jesus ressuscitado com os discípulos de Emaús, que se coloca a caminho ao lado deles, ao longo da estrada, sem ser reconhecido:
Ouve sua crise os convida a contar, a se expressar. E então os desperta de sua insensatez, surpreende-os revelando-lhes uma perspectiva diferente, que já existia, já estava escrita, mas eles não tinham entendido: eles não tinham compreendido que Cristo tinha que sofrer e morrer na cruz, que a crise faz parte da história da salvação …
O Papa insiste neste aspecto e o diz duas vezes: a crise faz parte da história da salvação. E acrescenta: A vida humana não é uma vida de laboratório, nem uma vida asséptica, como que banhada em álcool. A vida humana é uma vida de crise com todos os problemas de cada dia … Depois, volta ao cenário bíblico:
E então aquele homem, aquele caminhante para para comer com eles, fica com eles: ele perde tempo com eles. Acompanhar significa “perder tempo” para ficar perto às situações de crise. E muitas vezes é preciso muito tempo, é preciso paciência, respeito, disponibilidade… Tudo isso é acompanhar. E vocês o sabem bem.