A filarmônica é composta por jovens do Complexo de Favelas da Maré, na Zona Norte do Rio de Janeiro (RJ)
Natalia Zimbrão / ACI Digital
A Orquestra Maré do Amanhã (OMA) fará uma turnê por Portugal entre 16 de julho e 7 de agosto e na programação estão incluídas apresentações para jovens peregrinos da Jornada Mundial da Juventude (JMJ) Lisboa 2023. Mais do que tocar, porém, os músicos querem uma bênção do papa Francisco.
A Orquestra Maré do Amanhã é composta por jovens do Complexo de Favelas da Maré, na Zona Norte do Rio de Janeiro (RJ). Segundo o diretor-geral da OMA, o jornalista Carlos Eduardo Prazeres, a motivação para esta viagem é “prestar uma homenagem” ao seu pai, o maestro Armando Prazeres, que nasceu em Portugal. “Trabalhei com ele e foi ele quem me ensinou tudo o que sei. Foi ele que me inspirou a criar este projeto social”, disse.
A ligação de Prazeres com a Maré se deu por um momento difícil na vida dele. Em 1999, o pai dele foi vítima de um sequestro-relâmpago em Laranjeiras, Zona Sul do Rio, e foi morto. O carro do maestro foi encontrado em uma rua próxima ao Complexo da Maré, com marcas de sangue. Na época, a investigação concluiu que os envolvidos no crime moravam naquela região.
Carlos Eduardo Prazeres, que já tinha trabalhado com o pai levando música para favelas do Rio, decidiu então criar uma orquestra no Complexo da Maré, local marcado pela violência. “Nossa luta aqui é muito árdua. A Maré é dividida em duas facções armadas”, disse o diretor geral da OMA.
A orquestra foi fundada em 2010 com o sonho de transformar a Maré a partir da juventude e por meio da música. “Eu sempre falei para eles: eu não vou transformar a Maré, eu não moro na Maré. Quem vai transformar a Maré são vocês”, disse Prazeres à ACI Digital.
Prazeres contou que os jovens músicos chegaram para o projeto “com oito, dez anos”. Aos 16 anos, foram enviados para “um curso internacional do método Suzuki, que é o mais famoso no ensino de música”. Graduados, os jovens retornaram para a Maré, onde passaram a ensinar música para as crianças. “Eu fiz um acordo com a secretaria municipal de educação e enviei de dois em dois para todas as pré-escolas da Maré. Hoje, estamos musicalizando, levando música para 4,2 mil crianças das pré-escolas, entre 4 e 6 anos”, disse.
As crianças que se destacam são encaminhadas para duas escolas onde o projeto tem “as orquestras infantis”. “Dessas, aquelas que respondem e perseveram são chamados para vir para nossa sede e aqui começam a ganhar uma bolsa e são convidados para fazer o curso do Suzuki e passam a ser monitores transformadores da comunidade”, disse Prazeres.
“O que eu descobri foi que uma criança dentro da Maré quer ser reconhecida e respeitada. Quem é respeitado aqui é o bandido, é o traficante. Então, eles já nascem se espelhando no exemplo errado. Então, eu pedi a uma amiga que me ajudasse a tornar os jovens da orquestra celebridades, porque no dia em que eles se tornassem celebridades, a molecada da Maré ia olhar para eles e dizer: eu posso ser reconhecido, ser respeitado sem estar no crime. E é o que tem acontecido. É o testemunho que transforma”, disse.
A agenda da orquestra em Portugal terá passagens por Arouca (terra natal de Armando Prazeres), Porto, Lisboa e Cascais, onde farão apresentações em locais fechados e também flash mobs em pontos turísticos. “Neste meio do caminho, conhecemos o pessoal de Cascais, que nos convidou para tocar durante a nossa turnê para os jovens da Jornada Mundial da Juventude lá. E também no Porto, onde temos um concerto no dia 28 de julho para interação com a JMJ Porto”, contou Prazeres. Para ele, tocar para os jovens da JMJ será “uma emoção acima de qualquer coisa”.
Mas Prazeres admitiu que o sonho dos integrantes da orquestra é ter a oportunidade de receber uma bênção do papa Francisco. “Nós tínhamos pedido para participar da JMJ em Lisboa, mas não fomos selecionados. Mas, já íamos fazer a turnê de qualquer forma. Em Cascais, o prefeito nos prometeu que, se o papa fosse lá, ele nos pediria para tocar para o papa e pediria ao papa para nos abençoar, que é só que quero, que o papa abençoe os meninos”, disse.
Segundo o programa oficial da viagem do papa Francisco a Portugal, no dia 3 de agosto, às 10h40, ele se encontrará em Cascais com jovens de Scholas Occurentes, uma rede mundial de escolas iniciada pelo papa Francisco quando ele era arcebispo de Buenos Aires que compartilham seus bens, tendo objetivos comuns, com especial atenção àquelas com menos recursos. Em maio de 2022, foi transformada pelo papa em uma associação privada de fiéis.
Não há confirmação sobre um possível encontro do papa com os jovens da OMA. A orquestra tem agenda em Cascais entre os dias 1º e 6 de agosto.
Caso o encontro com o papa aconteça, não será a primeira vez que a orquestra estará com Francisco. “A nossa história com o papa começou na jornada do Rio”, em 2013, contou Prazeres, que é católico. “Assim que ele tomou posse, eu disse que queria ser abençoado por ele. Eu acredito que uma bênção dele dada para os meninos da Maré é capaz de chegar à Maré”.
Naquele ano, Prazeres procurou o reitor do santuário do Cristo Redentor, no Rio de Janeiro, padre Omar Raposo. “Ele conseguiu um evento no Cristo, onde o papa abençoaria a cidade a abençoaria a orquestra na direção da Maré. Os meninos estavam empolgadíssimos. Mas, no dia choveu muito e o evento foi cancelado”, recordou. Os jovens músicos ficaram “decepcionados”, mas Prazeres ainda mantinha a esperança de um dia estar com o papa.
Em 2017, ele recebeu o telefonema do produtor de um programa de televisão informando que a orquestra tocaria para o papa Francisco, no Vaticano, mas na época não tinham dinheiro para a viagem. Prazeres falou com a empresa mantenedora da orquestra que aceitou bancar a viagem.
“Foi maravilhoso, mas não era um evento nosso, era o Trem dos Meninos, com as crianças que ficaram órfãs no terremoto na Itália. Então, na verdade, o papa não nos abençoou”, lembrou o diretor da OMA.
Prazeres recordou que havia sido combinado com o cerimonial que ele e outros dois jovens cumprimentariam o papa Francisco. “Nós preparamos para ele uma surpresa, Por una cabeza, (um tango que foi sucesso na voz de Carlos Gardel) que depois eu soube que era a música que ele mais gosta. Nós tocamos e ele ficou muito emocionado. No final, chamou todos para agradecer. Foram todos lá, ele apertou a mão de todos, tiramos uma foto com ele. Mas, não nos abençoou”, contou.
Agora, com a viagem a Portugal, Prazeres disse que, caso tenha a oportunidade de estar com Francisco, “só quero que ele nos abençoe. Se ele quiser ouvir uma música, nós preparamos Adiós Nonino, de [Astor] Piazzolla”.