Julgamento no STF se encaminha para descriminalizar a maconha no Brasil. CNBB alerta para os riscos de qualquer permissão às drogas, algo também já criticado pelo Papa Francisco
Por Daniel Gomes / O São Paulo
O Supremo Tribunal Federal (STF) retomou no dia 23 um julgamento que poderá descriminalizar o porte de drogas para consumo pessoal. Os magistrados julgam um recurso extraordinário referente à constitucionalidade do artigo 28 da Lei 11.343/2006, a chamada Lei das Drogas, o qual considera como crime adquirir, guardar, transportar ou ter consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com a determinação legal.
As penas previstas envolvem advertência, medidas educativas e prestação de serviços comunitários, mas como a legislação não especifica a quantidade de drogas para diferenciar uso pessoal de tráfico, têm havido prisões de pessoas flagradas com pequenas quantidades.
O recurso extraordinário em julgamento é contra a decisão do Juizado Especial Cível de Diadema (SP) que manteve a condenação de um homem preso com 3g de maconha. A defesa argumenta que o crime de porte de drogas ofende o princípio constitucional da intimidade e da vida privada, e que o uso pessoal não afronta a saúde pública.
Como a ação é de repercussão geral, a decisão do STF valerá para todos os casos semelhantes, podendo, assim, abrir as portas para o uso desenfreado da maconha no País.
Votações polêmicas
Dos 11 magistrados da Suprema Corte, cinco já votaram favoráveis à descriminalização da maconha para uso pessoal: Gilmar Mendes (o relator da ação), Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Luís Roberto Barroso e Rosa Weber. O voto divergente foi o do mais novo membro da Corte, o ministro Cristiano Zanin.
O julgamento foi suspenso na quinta-feira, 24, após um pedido de vista – mais tempo para analisar a ação – do ministro André Mendonça. Como ele tem até 90 dias para fazê-lo, o julgamento será retomado ainda este ano. Conforme as manifestações dos ministros até o momento, a tendência é que a Corte determine como porte para uso pessoal a quantidade de 25g a 60g de maconha ou a posse de até seis plantas fêmeas da erva.
A votação no STF sobre a descriminalização do porte de maconha tem causado insatisfação no Parlamento brasileiro. “Essa atitude isolada [do STF], sem uma política pública do Executivo e sem um pronunciamento do Congresso Nacional em relação a um programa de saúde pública, pode sim ser algo nocivo para a sociedade e para a juventude brasileira”, criticou o senador Rodrigo Pacheco, presidente do Senado, no início de agosto.
CNBB: o uso de drogas interfere na estrutura familiar e social
Na última semana, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), por meio de seu Secretário-geral, Dom Ricardo Hoepers, reafirmou o posicionamento da instituição em uma nota de agosto de 2015, na qual conclama o Estado e o povo brasileiro a ter lucidez no trato do tema e ressalta que “o uso indevido de drogas interfere gravemente na estrutura familiar e social”.
Na nota, a CNBB lembra que o uso de drogas “está entre as causas de inúmeras doenças, de invalidez física e mental, de afastamento da vida social. A dependência que atinge, especialmente, os adolescentes e os jovens, é fator gerador da violência social, provoca no usuário alteração de consciência e de comportamento. O consumo e o tráfico de drogas são apontados como causa da maioria dos atentados contra a vida. A não punibilidade do porte de drogas, tendo como argumento a preservação da liberdade da pessoa, poderá agravar o problema da dependência química, escravidão que hoje alcança números alarmantes. A liberação do consumo de drogas facilitará a circulação dos entorpecentes”.
Os bispos também destacam que “o caminho mais exigente e eficaz, em longo prazo, é a intensificação de campanhas de prevenção e combate ao uso das drogas, acompanhado de políticas públicas nos campos da educação, do emprego, da cultura, do esporte e do lazer para a juventude e a família”, e apontam que “com a descriminalização das drogas, a crescente demanda de tratamento da parte de incontáveis dependentes aumentaria muito”.
Flexibilizações para o uso de drogas também já foram criticadas pelo Papa Francisco. Em uma conferência internacional sobre o tema, em junho de 2014, o Pontífice foi enfático: “A droga não se vence com a droga! A droga é um mal, e com o mal não nos podemos dar por vencidos nem ceder a compromissos. Pensar que se pode limitar o dano, permitindo o uso de psicofármacos àquelas pessoas que continuam a usar droga, não resolve minimamente o problema. As legalizações das chamadas ‘drogas leves’, até parciais, além de serem discutíveis em nível legislativo, não produzem os efeitos estabelecidos”.
Frei Hans Stapel: ‘Não se deve liberar o uso nem de 1g de droga sequer’
Com 40 anos de experiência em ajudar dependentes químicos a restaurar suas vidas, Frei Hans Stapel, fundador da Fazenda da Esperança – comunidade terapêutica presente em 26 países e que já atendeu mais de 100 mil pessoas –, lamentou que haja a possibilidade da descriminalização das drogas no Brasil.
“Eu não consigo entender como uma sociedade, e principalmente seus juízes, conseguem pensar em qualquer forma de liberação das drogas, em como fazendo isso ficam com a consciência tranquila ou pensam que o problema estará resolvido. Pelo contrário, aumentará muito mais. Além disso, o Brasil sempre enfrenta problemas quanto ao controle da aplicação das leis. Não se deve liberar o uso nem de 1g de droga sequer, pensando no bem da própria pessoa, da família e da sociedade”, disse ao O SÃO PAULO.
Frei Hans também lembrou que é justamente pela maconha que as pessoas ingressam no caminho das drogas.
“A maioria absoluta daqueles que ajudamos começou pela maconha. E não conheço ninguém que tenha ficado por muito tempo usando apenas uma quantidade mínima, já que rapidamente aquele pouco já não satisfazia a pessoa e ela começava a procurar drogas mais fortes até chegar ao fundo do poço”, ressaltou o Frade, corroborando um indicador apresentado no 3° Levantamento Nacional sobre o Uso de Drogas pela População Brasileira, do ano de 2015: a maconha é a droga ilícita mais consumida pelos brasileiros – 7,7% das pessoas – e a porta de entrada para o consumo de outros entorpecentes ilícitos.
“Quem faz uso eventual de drogas, pode até ter um certo controle no início, mas não vai demorar muito e precisará sempre de mais, e aos poucos se tornará um usuário constante”, ressaltou Frei Hans, recordando o sofrimento que o vício impõe às famílias.
“Quantas lágrimas eu vi nestes anos de pais e mães desesperados, que querem bem aos seus filhos, fazem de tudo para resgatá-los, mas alguns não conseguem. A droga é uma força terrível, é um mal tão grande que nem os laços de amizade ou o amor de pai e mãe conseguem fazer a pessoa largar o vício”.
O Religioso também teme que a descriminalização do porte da maconha impulsione uma cultura de consumo de drogas no País: “Acabará por se estimular o uso, com o discurso de ‘é só um pouco’ ou ‘já está liberado pela lei’, e assim irá se criar uma mentalidade de ‘como é chique’ usar um pouquinho de droga, e a pessoa, sem perceber, entrará numa dependência”.