No primeiro dia de sua viagem à capital da Hungria, Papa Francisco ressaltou os valores cristãos testemunhados pelo povo até os dias de hoje. Em seu discurso às autoridades, sociedade civil e corpo diplomático, relembrou a história, o simbolismo das pontes e a vida dos santos, da cidade “chamada a ser protagonista do presente e do futuro”
Irmã Grazielle Rigotti, ascj – Vatican News
É o primeiro dia da visita do Papa Francisco à “pérola do Danúbio”. O Pontífice partiu esta manhã para a capital da Hungria, Budapeste, cidade que fica às margens do rio Danúbio, que divide a cidade em duas partes.
A acolhida
Ao chegar à capital, o Papa foi acolhido por algumas autoridades civis e locais e duas crianças com trajes típicos e lhe foi oferecido pão e sal, como símbolos de acolhida. Na Europa Central costuma-se acolher o Sucessor de Pedro com este presente, como aconteceu também em 2021 em Bratislava durante a visita do Papa Francisco à Eslováquia. O pão em sinal do trabalho partilhado do homem e o sal, símbolo da hospitalidade como o sal do evangelho. Formando ainda um corredor, acenando com bandeiras com as cores da Hungria e do Vaticano, havia um grupo de crianças e adolescentes. Após o breve momento de apresentação e de acolhida, dirigiu-se para o Palácio Sándor, residência oficial do Presidente da República da Hungria desde janeiro 2003.
Neste local, após a cerimônia de acolhida no ingresso do palácio, houve um momento de encontro privado, troca de presentes e apresentação da família da presidente Katalin Novák ao Santo Padre. Logo após, encontraram-se com o Primeiro Ministro da República da Hungria, Victor Orbán, e se dirigiram ao antigo Mosteiro Carmelita, onde hoje funciona a sede do governo húngaro.
Deus o trouxe até nós
Na Sala Maria Teresa, do palácio Sándor, estavam reunidas cerca de 200 pessoas, entre autoridades políticas, religiosas, corpo diplomático, e representantes da sociedade civil e da cultura. Ali, palavras de acolhida foram proferidas pela presidente húngara: “Bem-vindo! em húngaro diz: Isten hozta! O que significa literalmente: Deus o trouxe até nós!”, disse a presidente, que iniciou sua saudação expressando seu contentamento e desejo pela paz, vendo na visita do Santo Padre um momento de graça. “A visita de Vossa Santidade a Budapeste é “kairos”. A hora e o lugar certo para se encontrar, para tocar os sinos, para proclamar uma paz justa. Deus reúne na hora certa e infunde força naqueles que confiam no poder do amor, da unidade e da paz.”
Veja o Papa no encontro com as autoridades húngaras
Presidente Novák relembrou com gratidão a visita de São João Paulo II no momento em que o país passava por grandes dificuldades, após a queda do comunismo, bem como neste momento, a visita de Francisco vem em um momento difícil para a Hungria e para a Europa. “Nós, húngaros, podemos tocar quase com as mãos a devastadora realidade da guerra”, afirmou a presidente quando apresentava, em seu discurso, a realidade do país que tem acolhido mais de um milhão e meio de refugiados da guerra na Ucrânia.
“Quando estas rosas florescerem nos jardins do Vaticano, pedimos-lhe que pense com bondade em todos aqueles, incluindo os pobres, pessoas que procuram apoio, e também em nós, húngaros, a quem Vossa Santidade oferece alimento espiritual, traz alegria e esperança com a vossa visita e com o vosso serviço”, agradeceu a presidente húngara, comentando o presente que foi entregue ao Santo Padre: mudas de rosas que recordam a história de Santa Isabel da Hungria.
Um lugar central na história
O Papa iniciou seu discurso aos presentes na sala do Mosteiro Carmelita ressaltando as qualidades históricas da capital: Budapeste, “não é apenas uma capital elegante e viva, mas ocupou também um lugar central na história: testemunha de significativas viradas ao longo dos séculos, é chamada a ser protagonista do presente e do futuro”, sublinhou Francisco.
Ressaltando pontos importantes e significativos da capital, o Pontífice ressaltou particularmente três aspectos marcantes: o fato de ser uma cidade com uma rica em história, simbolicamente marcada por pontes, e terra de muitos santos.
“Como esquecer 1956? E, durante a II Guerra Mundial, a deportação de dezenas e dezenas de milhares de habitantes, com a restante população de origem judaica encerrada no gueto e sujeita a numerosos massacres. Num tal contexto, houve muitos justos valorosos – penso no Núncio Angelo Rotta –, muita resiliência e grande empenho na reconstrução, de modo que hoje Budapeste é uma das cidades europeias com maior percentagem de população judaica, o centro dum país que conhece o valor da liberdade e que, depois de ter pago um alto preço às ditaduras, traz consigo a missão de guardar o tesouro da democracia e o sonho da paz”, destacou o Papa relembrando os dolorosos conflitos ocorridos no país.
Sendo um de seus objetivos na viagem a promoção da paz, deu ênfase também a este apelo em seu discurso: “ora a paz não virá jamais da prossecução dos próprios interesses estratégicos, mas de políticas capazes de olhar ao conjunto, ao desenvolvimento de todos: atentas às pessoas, aos pobres e ao amanhã; e não apenas ao poder, aos lucros e às oportunidades do presente”, e questionou: “pensando também na martirizada Ucrânia, onde estão os esforços criativos de paz?”
Como um segundo ponto de destaque, o fato de a cidade ter como símbolo as pontes que contém, Francisco apresentou a harmonia e a unidade que daí podem derivar. Citando a própria Constituição húngara, que afirma que «A liberdade individual só se pode desenvolver na colaboração com os outros», alertou sobre o perigo dos populismos autorreferenciais: “tal é o caminho nefasto das «colonizações ideológicas», que eliminam as diferenças, como no caso da chamada cultura do género, ou então antepõem à realidade da vida conceitos redutores de liberdade, quando por exemplo se alardeia como conquista um insensato «direito ao aborto», que é sempre uma trágica derrota.”
“É a prática do amor que leva à felicidade suprema. (Santo Estêvão)”
Por fim, o Papa fez memória de tantos santos que nasceram em terras húngaras e inspiram a cidade “marcada pela santidade”. “É a prática do amor que leva à felicidade suprema”, dizia Santo Estêvão, rei da Hungria, e um dos baluartes da fé católica no país.
“É um grande ensinamento de fé: os valores cristãos não podem ser testemunhados com rigidez e isolamento, porque a verdade de Cristo inclui mansidão e gentileza segundo o espírito das Bem-aventuranças. Aqui se radica aquela bondade popular húngara, subjacente a certas expressões da linguagem comum, tais como «jónak lenni jó [é bom ser bom]» e «jobb adni mint kapni [é melhor dar do que receber]», destacou Papa Francisco.
Por fim, o Papa alertou sobre a necessidade de uma profícua colaboração entre Estado e Igreja, mas que “para ser fecunda, necessita de salvaguardar bem as devidas distinções”, e pediu a proteção dos santos e beatos, filhos de terras húngaras, confiando a eles o futuro do país: “a eles quero confiar o futuro deste país, que me é tão querido. E enquanto vos agradeço por terdes escutado tudo o que tinha em ânimo partilhar, asseguro a minha solidariedade e a minha oração por todos os húngaros, com um pensamento especial para todos aqueles que vivem fora da pátria e quantos encontrei na vida e me fizeram muito bem. Isten, áldd meg a magyart [ó Deus, abençoai os húngaros]!”