Libras: a língua que dá voz aos gestos e promove a inclusão

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Foi com o propósito de promover a inclusão de pessoas com deficiência auditiva que, em 24 de abril de 2002, a Língua Brasileira de Sinais foi oficialmente reconhecida e regulamentada pela Lei Federal nº 10.436 como meio legal de comunicação.

Por Jenniffer Silva / O São Paulo

Na infância, Monielly dos Santos Costa, hoje com 35 anos, conheceu Anderson dos Santos, 34, por meio de uma amiga em comum. Na época, ela ainda não dominava a Língua Brasileira de Sinais (Libras), e a nova amizade foi seu primeiro contato mais próximo com uma pessoa surda.

Em 2013, ao iniciar o curso de Pedagogia, Monielly começou a formação em Libras. Três anos depois, em 2016, ela e Anderson deram início a um relacionamento que foi oficializado em novembro de 2022.

A comunicação do casal se dá inteiramente por meio dos sinais oficiais da língua, além de outros gestos criados por eles ao longo da convivência.

Hoje, professora em formação na área de tradução e interpretação em Libras, Monielly reconhece a importância da difusão da Libras como ferramenta de inclusão e acessibilidade para a comunidade surda: “Nós, ouvintes, temos o nosso idioma. Quando decidimos aprender um segundo, poderíamos optar pela Libras, pois há muitos surdos que necessitam ser compreendidos”.

E é exatamente o desejo de ser compreendido o maior anseio de seu marido, que também o aponta como o principal desafio enfrentado pelas pessoas surdas.

Durante os encontros familiares e com amigos, novos sinais são ensinados para garantir que Anderson seja sempre incluído.

Foi com o propósito de promover a inclusão de pessoas com deficiência auditiva que, em 24 de abril de 2002, a Língua Brasileira de Sinais foi oficialmente reconhecida e regulamentada pela Lei Federal nº 10.436 como meio legal de comunicação.

PARA MAIS DE 10 MILHÕES DE PESSOAS

Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) indicam que cerca de 5% da população brasileira possui algum grau de deficiência auditiva. Isso equivale a mais de 10 milhões de pessoas, sendo que 2,7% delas convivem com surdez profunda.

No cenário global, a Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que até 2050, aproximadamente 900 milhões de pessoas desenvolverão algum nível de surdez.

Monielly aprendeu Libras convivendo com seu esposo, Anderson Arquivo Pessoal

PECULIARIDADES

No Brasil, a Libras é uma língua de modalidade gestual-visual, estruturada por meio de gestos, expressões faciais e corporais. Ela possui alfabeto, gramática e estrutura linguística próprias.

Por exemplo, na gramática da língua portuguesa são utilizados os pronomes eu, tu, ele, ela, nós, vós, eles, elas. Já em Libras, existem apenas eu, você (olhando para a pessoa), ele e ela (apontando para a pessoa) e nós (desmembrado para duas ou mais pessoas).

O alfabeto, por sua vez, é representado por ícones que relacionam letras à configuração de dedos e ao movimento das mãos. Alguns símbolos, assim como na oratória, podem variar a depender da região do País.

A institucionalização das Libras ocorreu em 1857 com a fundação do Instituto Nacional de Educação de Surdos (Ines). A iniciativa contou com a participação do professor surdo francês Ernest Huet, trazido ao País pelo imperador Dom Pedro II. Ao introduzir a Língua de Sinais Francesa (LSF), iniciou-se o desenvolvimento da Libras em território nacional.

A Libras é uma língua — e, como tal, não é universal. Cada país possui sua própria língua de sinais. Estima-se que existam atualmente cerca de 200 línguas de sinais no mundo.

INCLUSÃO

Em 22 de dezembro de 2005, o Decreto Federal nº 5.626 estabeleceu a obrigatoriedade da disciplina de Libras na formação de professores surdos e bilíngues, pedagogos e fonoaudiólogos.

O Estatuto da Pessoa com Deficiência garante o acesso à Libras desde a educação básica, por meio de ensino bilíngue — com Libras como primeira língua e a modalidade escrita da língua portuguesa como segunda. Isso é garantido em escolas bilíngues, classes inclusivas e por meio da formação de professores especializados, intérpretes, guias-intérpretes e profissionais de apoio.

Existe, também, a obrigatoriedade da presença de intérpretes e tradutores em escolas e outros ambientes institucionais da administração pública.

Nas transmissões de radiodifusão, é obrigatória a inclusão da janela com intérprete de Libras. Cabe ainda ao poder público promover a formação e a capacitação de tradutores e intérpretes da língua.

Pastoral do Surdo do Regional Sul 2 da CNBB desenvolve ações de inclusão

SINAIS DO EVANGELHO 

No Regional Sul 2 da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), a Pastoral do Surdo desenvolve ações voltadas à inclusão da comunidade surda na vida da Igreja.

Rafael Rodrigues da Cunha é uma pessoa surda e coordenador da Pastoral do Surdo da Arquidiocese de Curitiba (PR) e do Regional Sul 2 da CNBB. Ele conta que cerca de 200 pessoas são acompanhadas pela pastoral no Regional.

No Paraná, a atuação começou em 1950, com a Irmã Nydia Moreira Garcez, religiosa surda e fundadora da Escola Epheta, voltada à educação de deficientes auditivos. Desde então, o trabalho de acompanhamento às pessoas surdas e com deficiência auditiva se intensificou no território. A Pastoral foi oficialmente criada durante a Assembleia dos Bispos do Regional Sul 2, no ano 2000.

“O trabalho da Pastoral é incentivar os surdos a participar das missas, dos sacramentos, da catequese e dos encontros bíblicos. Também realizamos passeios religiosos, encontros anuais e gincanas, sempre levando a Palavra de Deus por meio da Libras”, destacou o coordenador.

ONDE APRENDER A LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS

Universidade de São Paulo (USP) 
A plataforma de cursos on-line da USP disponibiliza gratuitamente um curso de Libras com videoaulas, práticas e teoria. O conteúdo foi desenvolvido pelo Departamento de Linguística da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH).
Acesse: eaulas.usp.br.

Escola Virtual do Governo (EVG) 
O curso gratuito de Libras da EVG tem carga horária de 60 horas e oferece material didático, guias práticos e conteúdo diversificado. Ao final, é emitido certificado pela Escola Nacional de Administração Pública (Enap). Inscrições no site da EVG.

Sesi (Serviço Social da Indústria) 
A plataforma do Sesi oferece um curso on-line com carga de 40 horas e certificado gratuito. O programa aborda noções básicas de Libras, contexto histórico e legal, além de aspectos gramaticais.

Sesc Digital 
O curso “Libras: Descobrindo a Língua de Sinais”, disponível na plataforma do Sesc Digital, visa a ampliar a compreensão sobre a comunidade surda. Inclui introdução, vocabulário, histórias de referência e orientações sobre condutas adequadas.

Secretaria Estadual da Pessoa com Deficiência (SP) 
A Secretaria oferece cursos gratuitos de Libras nos níveis básico, intermediário e avançado, em todos os municípios do estado de São Paulo, com acesso aberto à população — inclusive servidores públicos.

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