Frei Cantalamessa: Jesus Cristo não é uma ideia, mas uma pessoa

“Há alguns que negam que seja uma pessoa “divina”, preferindo dizer que é uma pessoa “humana” na qual Deus habita, ou opera, de modo único e excelso. Mas a própria unidade da pessoa de Cristo, repito, não é contestada por ninguém”, frisou o pregador da Casa Pontifícia.

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Quarta e última pregação da Quaresma do frei Cantalamessa (Vatican Media)

Fonte: Vatican News / Traduzido do italiano por Pe. Ricardo Faria, ofmcap

“Jesus de Nazaré: uma pessoa” foi o tema da quarta e última pregação da Quaresma proferida pelo pregador da Casa Pontifícia, cardeal Raniero Cantalamessa, ao Papa e aos membros da Cúria Romana, na manhã desta sexta-feira (26/03), na Sala Paulo VI.

“Propomos em aprofundar nesta última meditação que Jesus de Nazaré está vivo! Não é uma memória do passado; não é apenas um personagem, mas uma pessoa. Vive “segundo o Espírito”, certo, mas este é um modo de viver mais forte do que aquele “segundo a carne”, porque lhe permite viver dentro de nós, não fora, ou ao lado”, disse o frei capuchinho.

A fórmula “uma pessoa” aplicada a Cristo remete-se a Tertuliano, mas foram necessários dois séculos de reflexão para entender o que ela significava de fato e como podia se conciliar com a afirmação de que Jesus era verdadeiro homem e verdadeiro Deus, isto é “de duas naturezas”.

“O dogma da única pessoa de Cristo é uma “estrutura aberta”, ou seja, capaz de falar-nos hoje, de responder às novas necessidades da fé, que não são as mesmas do quinto século. Hoje, ninguém nega que Cristo seja “uma pessoa”. Há alguns que negam que seja uma pessoa “divina”, preferindo dizer que é uma pessoa “humana” na qual Deus habita, ou opera, de modo único e excelso. Mas a própria unidade da pessoa de Cristo, repito, não é contestada por ninguém”, frisou o pregador da Casa Pontifícia.

“A coisa mais importante hoje, a respeito do dogma de Cristo “uma pessoa”, não é tanto o adjetivo “uma”, mas o substantivo “pessoa”. Não tanto o fato de que seja “um e idêntico em si mesmo” (unus et idem), mas que seja “pessoa”. Isto significa descobrir e proclamar que Jesus Cristo não é uma ideia, um problema histórico, e nem mesmo apenas um personagem, mas uma pessoa e uma pessoa viva! Isto, de fato, é o que falta e do que temos extrema necessidade, para não deixar que o cristianismo se reduza a ideologia, ou simplesmente a teologia”, disse ainda Cantalamessa.

“Refletindo sobre o conceito de pessoa no âmbito da Trindade, Santo Agostinho e, depois dele, Santo Tomás de Aquino, chegaram à conclusão de que “pessoa”, em Deus, significa relação. O Pai é tal pela sua relação com Filho: todo o seu ser consiste nesta relação, como o Filho é tal pela sua relação com o Pai.” A seguir, acrescentou:

Isto vale de modo eminente para as pessoas divinas da Trindade, que são “puras relações”, ou, como se diz em teologia, “relações subsistentes”; mas vale também para cada pessoa no âmbito criado. Não se conhece a pessoa na sua realidade, a não ser entrando em “relação” com ela. Eis porque não se pode conhecer Jesus como pessoa, a não ser entrando em uma relação pessoal, do eu ao tu, com ele. “O ato do crente não termina num juízo, mas numa realidade”, disse Santo Tomás de Aquino. Nós não podemos nos contentar em crer na fórmula “uma pessoa”; devemos alcançar a própria pessoa e, mediante a fé e a oração, “tocá-la”.

“Devemos nos pôr seriamente uma pergunta: para mim, Jesus é uma pessoa, ou somente um personagem?”, disse o frei Cantalamessa, explicando que “há uma grande diferença entre as duas coisas. O personagem – tipo Júlio César, Leonardo da Vinci, Napoleão – é alguém de quem se pode falar e escrever o quanto queira, mas com o qual é impossível falar. Infelizmente, para a grande maioria dos cristãos, Jesus é um personagem, não uma pessoa. É o objeto de um conjunto de dogmas, doutrinas ou heresias; alguém de quem celebramos a memória na liturgia, que cremos realmente presente na Eucaristia, tudo o que se quiser. Mas, se permanecermos no plano da fé objetiva, sem desenvolver uma relação existencial com ele, ele permanece externo a nós, toca-nos a mente, mas não aquece o coração. Permanece, apesar de tudo, no passado; entre nós e ele se interpõem, inconscientemente, vinte séculos de distância”. No fundo de tudo isso, compreende-se o sentido e a importância daquele convite que o Papa Francisco pôs no início da sua Exortação Apostólica Evangelii gaudium:

“Convido todo o cristão, em qualquer lugar e situação que se encontre, a renovar hoje mesmo o seu encontro pessoal com Jesus Cristo ou, pelo menos, a tomar a decisão de se deixar encontrar por Ele, de O procurar dia a dia sem cessar. Não há motivo para alguém poder pensar que este convite não lhe diz respeito” (EG, 3).

O frei capuchinho concluiu, recordando que “daqui a uma semana será Sexta-feira Santa e, logo depois, Domingo da Ressurreição. Ressurgindo, Jesus não voltou à vida de antes como Lázaro, mas a uma vida melhor, livre de todo afã. Esperemos que seja assim também para nós. Que do sepulcro em que a pandemia nos manteve encerrados por um ano, o mundo – como nos repete continuamente o Santo Padre – saia melhor, não o mesmo de antes”.

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