Os mais de quatro séculos de história desta cidade, com seus altos e baixos, belezas e percalços, demonstram que São Sebastião acolheu e acolhe esta cidade que, apesar de tudo, é maravilhosa.
Eduardo Silva* / Jornal Testemunho de Fé
Há entre São Sebastião e esta cidade nos trópicos, por ele apadrinhada, muitas relações. Seja na resiliência diante do martírio, desde as flechas até o suspiro final pela decapitação, seja na relação histórica entre o santo e a cidade, o Rio de Janeiro se assemelha em muitos aspectos a seu santo padroeiro. As flechas que a cada dia os cariocas têm de enfrentar, nesta cidade que é maravilhosa, de exuberante natureza, mas também cheia de dificuldades e percalços, são testemunho de como lhe cai bem o santo soldado como patrono.
Já é bem conhecida a relação da cidade com seu santo protetor. Estácio de Sá, ao fundar a cidade, entre o Pão de Açúcar e o morro Cara de Cão, lhe batiza com o nome do santo soldado. Pouco conhecido, porém, é o fato que estava presente no ato da fundação um santo vivo: São José de Anchieta, que aqui acompanhava o superior dos jesuítas, Padre Manuel da Nóbrega.
A fundação da cidade não se deu sem suas dificuldades. Aliás, a fundação se dá justamente como forma preventiva, para que não acontecesse de retornarem os franceses para as terras banhadas pela Baía de Guanabara. Mas em meio às flechas iniciais dos conflitos entre portugueses, franceses e indígenas, a figura de São Sebastião já surge como sinal de esperança da vitória da fé e da paz, conforme a venerável tradição que diz ter São Sebastião aparecido lutando entre as canoas da batalha travada em 20 de janeiro de 1567. Frei Vicente do Salvador, nosso primeiro historiador pátrio, diz em sua História do Brasil que todo dia 20 de janeiro os indígenas faziam uma encenação da Batalha das Canoas na Baía de Guanabara, para recordar e honrar São Sebastião, que veio do céu para defendê-los. Pode-se afirmar, portanto, que os festejos em honra a São Sebastião são os mais antigos, se não o mais, ainda celebrado na cidade.
A relação entre o Rio de Janeiro e São Sebastião foi se intensificando com os anos e o desenvolvimento da cidade, que em 1763 passa a ser a capital do Vice-Reino do Brasil. A Igreja de São Sebastião no Morro do Castelo surge no panorama da cidade como guardiã de seus tesouros históricos, como a histórica imagem do padroeiro, o marco de fundação e o corpo do fundador.
Em 1808, com a transferência da corte portuguesa para os trópicos, o Rio de Janeiro se vê como sede do Império português. Padre Antônio Gonçalves dos Santos, o ‘Padre Perereca’, cronista do Rio de D. João VI, nos informa que ao desembarcar na capital da colônia, o príncipe regente e toda a família real se dirigiram à catedral, então instalada na Igreja de N. Sra. do Rosário e São Benedito dos Homens Pretos, onde, após o Te Deum em ação da graças pela viagem, louvaram ao padroeiro do Rio de Janeiro, entoando a antífona O beate Sebastiane. Nessa época, segundo informações do próprio padre cronista, já era costume antigo se iluminar a cidade com lâmpadas pelas ruas e casas nas três noites que antecediam o dia 20 de janeiro, festa do glorioso padroeiro.
Com a Independência, São Sebastião passa a ser padroeiro de uma cidade agora imperial, sede da corte de D. Pedro I e D. Pedro II. Escolhido como padroeiro dos soldados do Império, São Sebastião será invocado especialmente no período da Guerra do Paraguai (1864-1870), representado na imprensa como guia dos soldados nas batalhas.
O séc. XX trará para a paisagem do Rio de Janeiro uma considerável modificação: a derrubada do Morro do Castelo e, consequentemente, da Igreja de São Sebastião, já sob a custódia dos frades capuchinhos. O novo templo edificado na Rua Hadock Lobo passará a ser o núcleo central da devoção ao padroeiro dos cariocas, sendo o local de partida da imagem para a grandiosa procissão do dia 20 de janeiro.
Diz o Hino de São Sebastião que o nobre santo é “vigoroso, invencível na peleja da virtude”, qualidades a serem imitadas por todo carioca. Falando no hino do santo soldado, também ele é um patrimônio. Composto pelo cônego João Carneiro na década de 50, foi oficializado pelo governador do então Estado da Guanabara no quarto centenário da cidade em 1965, e figura no livro Rio de Janeiro em prosa e verso, organizado por Manuel Bandeira e Carlos Drummond de Andrade:
Acolhei sob a vossa proteção/ a cidade do Rio de Janeiro,
grande mártir, ó São Sebastião,/ nosso bravo e fiel padroeiro!
Acolhei sob a vossa proteção/ a cidade do Rio de Janeiro!
Os mais de quatro séculos de história desta cidade, com seus altos e baixos, belezas e percalços, demonstram que São Sebastião acolheu e acolhe esta cidade que, apesar de tudo, é maravilhosa. Que o santo soldado mártir jamais se esqueça dessa cidade que desde o nascimento é dele, esta muito leal e heroica Cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro.
*Eduardo Silva é seminarista da síntese, 4º ano de teologia