Direto do Vaticano – 10 anos de pontificado: Francisco, um gênio da comunicação?

Seu Boletim Direto do Vaticano de 10 de março de 2023

Antoine Mekary | ALETEIA
  1. 10 anos de pontificado de Francisco, onde estão as mulheres?
  2. 2013-2023: Francisco, um gênio da comunicação?

I.Media para Aleteia

10 ANOS DE PONTIFICADO DE FRANCISCO, ONDE ESTÃO AS MULHERES?

Por Anna Kurian: Para o Dia Internacional da Mulher em 8 de março, o Vatican News divulgou estatísticas sobre a presença de mulheres no Vaticano por ocasião do décimo aniversário do pontificado de Francisco. Embora sua presença esteja aumentando ligeiramente (23% dos funcionários), apenas 5% das mulheres ocupam cargos de alta responsabilidade. Nesse mesmo dia, o Papa assinou o prefácio do livro Mais liderança feminina para um mundo melhor (Vita e Pensiero), no qual ele expressou preocupação com possíveis “retrocessos” nos direitos das mulheres.

Desde sua eleição, “o Papa Francisco aumentou a presença, visibilidade e influência das mulheres no Vaticano”, sublinha o jornalista austríaco Gudrun Sailer no artigo publicado no Vatican News. De acordo com os números publicados pela Santa Sé, o Vaticano tem agora um total de 1.165 mulheres empregadas – contra 846 no início do pontificado em 2013. Sua proporção subiu de 19,2 para 23,4%. E na Cúria Romana, mais de uma em cada quatro funcionárias é mulher (elas representam 812 de um total de 3.114 empregados).

19% das mulheres no Vaticano

Em 2022, 43% das mulheres empregadas na Cúria trabalhavam nos 6º e 7º níveis da escala hierárquica. A hierarquia tem 10 níveis, sendo o mais baixo o nível 1. E algumas alcançaram os níveis de gestão, sendo cinco delas subsecretárias. Alessandra Smerilli, que ocupa o mais alto cargo já dado a uma mulher no Vaticano, como número 2 do dicastério para o Serviço de Desenvolvimento Humano Integral.

Embora a nomeação de especialistas femininas dentro da Cúria tenha começado com Paulo VI, aponta Gudrun Sailer, Francisco deu um passo adiante ao tornar possível a nomeação de leigos para chefiar os dicastérios na Constituição Apostólica de 2022 Praedicate Evangelium. As mulheres podem agora se tornar “prefeitas”.

Em uma entrevista ao jornal espanhol ABC publicada em 17 de dezembro de 2022, o Papa Francisco anunciou que nomearia uma mulher para chefiar um dicastério “que ficará vago dentro de dois anos”. Ele disse que não havia “nenhum obstáculo para uma mulher guiar um dicastério onde uma leiga possa ser prefeita”. Deve-se notar que atualmente menos de 5% de todas as funções de liderança na Cúria são ocupadas por mulheres.

No Estado da Cidade do Vaticano, onde a proporção de mulheres permaneceu estável (19%), o pontífice argentino nomeou duas mulheres para cargos de liderança: Barbara Jatta, diretora dos Museus do Vaticano desde 2016, e a irmã Raffaella Petrini, secretária-geral do Governador desde 2022.

Gudrun Sailer observa que o Papa Francisco é o primeiro Papa a nomear mulheres como membros dos órgãos da Cúria, dando-lhes o direito de voto, até agora reservado aos prelados. Para o jornalista, nestas posições, elas podem “influenciar o Vaticano, mantendo sua independência”.

Desde 2020, seis mulheres – de um total de 15 membros – aderiram ao Conselho de Economia. Outra iniciativa notável: em 2022, o Papa Francisco nomeou duas freiras e uma leiga como membros do dicastério para bispos. No entanto, o pontífice de 86 anos insistiu repetidamente para que a missão das mulheres não fosse reduzida a um aspecto puramente funcional.

Opressão patriarcal e machista

“As questões relacionadas ao mundo feminino são particularmente próximas ao meu coração”, confidencia o Papa Francisco no prefácio de um livro de pesquisa acadêmica promovido pela fundação Centesimus Annus pro Pontifice e publicado para o dia internacional. O Papa está preocupado que o “caminho da afirmação feminina” seja “atormentado”, “não definitivo”, e que “seja fácil dar passos para trás”.

Ele quer que “a igualdade de oportunidades para homens e mulheres”, e que as mulheres “sejam pagas em pé de igualdade com os homens em termos de papel, compromisso e responsabilidade”, chamando as disparidades de “grave injustiça”.

Entretanto, para o pontífice, a paridade deve ser alcançada “na diversidade, e não porque as mulheres assumem comportamentos masculinos”. De fato, ele argumentou, “as mulheres pensam de maneira diferente dos homens”. As mulheres estão “mais atentas à proteção do meio ambiente”, disse ele.

O Papa considera que são as mulheres que “trazem harmonia”, e que as mulheres “querem sempre a paz”. Sendo capazes de expressar “força e ternura”, elas “sabem como inspirar as novas gerações – não apenas seus filhos”, escreveu ele, assegurando que “as mulheres tornam o mundo mais belo”.

O chefe da Igreja Católica condenou a violência contra as mulheres, vendo-a como “uma cultura de opressão patriarcal”. Ele exortou “a não deixar as mulheres sozinhas”, lamentando que “ainda hoje, cerca de 130 milhões de meninas no mundo não vão à escola”.

Referindo-se ao Dia Internacional da Mulher, também durante a audiência geral de 8 de março, o Papa Francisco teve um pensamento “para todas as mulheres”. Ele acrescentou: “Agradeço-lhes por seu compromisso com a construção de uma sociedade mais humana, através de sua capacidade de compreender a realidade com um olhar criativo e um coração terno”. Esta capacidade é “um privilégio” das mulheres, disse o pontífice, antes de convidar a multidão na praça para aplaudir as mulheres, que “o merecem”.

2013-2023: FRANCISCO, UM GÊNIO DA COMUNICAÇÃO?

Por Camille Dalmas: Desde sua eleição em 2013, Francisco deixou uma marca muito pessoal no modo como a Santa Sé transmite sua mensagem ao mundo. Sua comunicação, capaz de despertar o interesse de não-cristãos, bem como de elevar o entusiasmo dos fiéis, ampliou consideravelmente o alcance da “palavra” pontifícia, mas às vezes também causou confusão, especialmente dentro da Igreja.

Em sua primeira entrevista em 2013 com o Padre Antonio Spadaro, o influente diretor da revista jesuíta La Civilta Cattolica, o Papa Francisco testemunhou a dificuldade que seu novo “trabalho” representava para ele: “Sou capaz de olhar para pessoas individuais, uma a uma, a fim de me conectar de forma pessoal com aqueles que estão diante de mim. Eu não estou acostumado com as massas”.

O que ele descreveu então como uma de suas fraquezas acabou sendo, dez anos mais tarde, uma de suas maiores forças. O pontífice argentino manteve seu estilo simples, próximo à oralidade em seus discursos, pictórico e acessível nos textos de seu magistério. Reputadamente austero em Buenos Aires, ele provou ser jovial em Roma. E sua bondade o levou muitas vezes a ser comparado com o “Papa bom”, João XXIII.

Após o pontificado de Bento XVI, marcado pela linguagem concisa deste teólogo rigoroso, a verve de Francisco, adepto de improvisações e reações espontâneas, muitas vezes cheias de humor ou emoção, tocou o coração de muitos.

Muitas vezes desconsiderando a etiqueta, o Papa construiu sua comunicação ao estabelecer uma “proximidade informal” com seus interlocutores. Ele pediu: “por favor, não se esqueçam de rezar por mim” após cada discurso. Esta fórmula, a mais ouvida nos últimos dez anos, é característica do cuidado que o Papa toma para estabelecer um vínculo real com sua audiência. Esta “ponte” que ele constrói entre si e cada orador é destinada a ser humana antes de ser magisterial.

Comunicar: entre o gesto e o silêncio

O pesquisador colombiano Ari Waldir Ramos Diaz observa em seu ensaio “Seja autêntico” (Edições Lavoro, 2019) que Francisco se comunica principalmente “a partir de gestos”, pois estes constituem uma “linguagem universal”. Em seu estilo sul-americano, o Papa fala regularmente das “carícias” que devem ser dadas a um mundo sofredor.

O arcebispo Guido Marini, antigo oficial cerimonial do Papa, disse em uma entrevista publicada em 2021 que Francisco é um “gênio do artesanato”. O italiano ajudou o pontífice na Statio Orbis em 27 de março de 2020, cerimônia durante a qual o Papa rezou pelo mundo, depois mergulhando no caos da pandemia. Mais do que seu discurso naquela noite, é a solidão de um papa na tempestuosa Praça de São Pedro que muitos lembram.

Crítico dos mexericos e de todas as formas de intriga, o Papa Francisco considera que “o mundo está farto de barulho” e elogia os méritos da “presença silenciosa”, um passo indispensável para ouvir os outros. Este é um princípio que ele tentou implantar em sua diplomacia, que é muito ativa na promoção do diálogo pela paz em muitos países do mundo. Mas este é também o caso no campo eclesial com o sínodo sobre o futuro da Igreja lançado em 2021, que visa relançar uma cultura de sinodalidade, ou seja, a arte de escutar uns aos outros para avançar apesar das diferenças.

Uma palavra imprevisível

Como reformador, o Papa Francisco continuou a modernização, e em particular a digitalização, das comunicações da Santa Sé, iniciada por seu predecessor. Embora ele tenha sido regularmente muito crítico dos riscos da comunicação virtual, ele abriu uma conta Instagram e lançou um aplicativo de oração – Click to Pray. Ele também recebeu no Vaticano os principais chefes da GAFAM. No Twitter, suas contas, transmitidas em vários idiomas, ultrapassaram 45 milhões de seguidores.

Francisco também reestruturou profundamente as comunicações da Cúria criando, em 2015, o dicastério da comunicação, no qual ele reuniu todas as entidades da mídia do Vaticano – Vatican News, Rádio Vaticano, L’Osservatore Romano (que ele apelidou de “Pravda”), a assessoria de imprensa da Santa Sé, a editora do Vaticano, etc. Seu objetivo: maior eficiência, menos despesas e ação voltada para a proclamação do Evangelho.

Mas o pontífice também se mostrou muito distante de sua própria administração, muitas vezes contornando os canais oficiais de comunicação da Santa Sé – em particular seu Gabinete de Imprensa – em favor de suas próprias redes, que são muito mais esquivas e imprevisíveis.

Esta situação criou um mal-estar dentro da Cúria, que veio à tona quando em 2021 o pontífice criticou publicamente sua comunicação durante uma visita à Rádio Vaticano. As injunções do Papa para tomar iniciativas, enquanto as estruturas que ele estabeleceu tendem a limitar a liberdade de ação, revelaram os problemas fundamentais dentro da comunicação do Vaticano.

Ao contrário de seus dois predecessores, que podiam confiar plenamente em seus porta-vozes, o pontífice queria estar no controle de toda sua comunicação, para não ver sua palavra usada por grupos de poder agindo em prol de seus interesses dentro da Igreja. Assim, Matteo Bruni, atual diretor do Departamento de Imprensa, não cumpre o papel de porta-voz.

Enquanto ele concede muitas entrevistas nas quais não fecha a porta sobre nenhum assunto, também acontece com freqüência que o pontífice, na pura tradição jesuíta, não vai onde seu interlocutor o leva. “O Papa nem sempre responde às perguntas que lhe são feitas”, observa o sociólogo Dominique Wolton, que conduziu 12 entrevistas com o pontífice, publicadas no livro Politique et société (2018).

Comunicação livre

Esta capacidade do Papa de tomar a visão oposta de seu interlocutor foi particularmente observável durante as conferências de imprensa organizadas em cada vôo de retorno – e não mais no vôo de ida, como nos dois pontificados anteriores – de suas viagens ao exterior. O pontífice restituiu toda sua importância a este momento de contato privilegiado com a imprensa, que Bento XVI havia suspenso no meio de seu pontificado após uma controvérsia sobre o uso de preservativos.

Durante os 40 vôos de volta nos últimos dez anos, Francisco permitiu novamente que os jornalistas fizessem perguntas livremente sobre todos os temas. Ele se expressou de forma muito espontânea, mas muitas vezes descontraída. Algumas das principais fórmulas de seu pontificado se devem a estas sequências, por exemplo, a sobre homossexualidade – “Quem sou eu para julgar?”

Divisões

A espontaneidade do Papa Francisco às vezes trabalhou contra ele, porém, por exemplo, quando se confundiu em seus comentários sobre a renúncia do Arcebispo de Paris, Dom Aupetit, ou minou os esforços de sua própria diplomacia ao sugerir que chechenos eram responsáveis pelos massacres na Ucrânia. O estilo de comunicação do pontífice também tem provocado regularmente enigmas e até raiva em suas próprias fileiras. “Você é mais amado […] pelos ateus do que pelos católicos”, comentou Dominique Wolton.

Na Igreja, algumas vozes têm frequentemente censurado o Papa por uma forma de “populismo”. Outras, ao contrário, têm se irritado com seu estilo “pastoral”, o que o impediria de iniciar as grandes reformas que esperam dele.

O Papa Francisco, por sua vez, tem se manifestado repetidamente contra o que ele descreve como “polarização”. Contra conflitos binários e ideológicos, ele tem encorajado os cristãos a enriquecer sua comunhão com as “contraposições” existentes na Igreja, tornando este desafio um dos eixos do grande processo do sínodo sobre o futuro da Igreja lançado em 2021.

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