Francisco foi ao Oriente pregar o Evangelho e, nessa viagem, adquiriu uma doença nos olhos que o levou à cegueira
Por Igor Precinoti / Aleteia
Nascido em uma rica família de comerciantes, durante um momento de oração, Francisco de Assis teve uma experiência mística: “Francisco, restaura a minha Igreja”. A ordem divina que o jovem rico ouviu, na igreja de São Damião, foi atendida, e, mesmo sob protestos de seu pai, Francisco optou pela vida religiosa.
O santo, atendendo à ordem divina, percebeu que a vida opulenta na qual viviam alguns religiosos poderia afastar a Igreja dos ensinamentos de Cristo. Optou, então, por uma vida simples, fez voto de pobreza e, nos anos de 1200, e recebeu autorização do Papa para erigir oficialmente sua Ordem dos Frades Menores.
O trabalho de São Francisco foi exitoso, suas sementes germinaram no mundo todo e os seus frutos são até hoje colhidos. Porém, a vida de São Francisco não foi fácil. Em toda a sua biografia, são descritos relatos de doenças que o acometiam. Desde uma malária adquirida na juventude até uma cegueira que o impedia de vislumbrar a beleza da criação.
Sim, na história deste santo, se relata que, em 1219, em meio às Cruzadas, Francisco foi ao Oriente pregar o Evangelho e, nessa viagem, adquiriu uma doença nos olhos que o levou à cegueira. Fazendo um estudo das possíveis causas dessa cegueira de São Francisco de Assis, pensamos ser muito provável que ela tenha sido causada pelo tracoma, enfermidade muito presente na época e no local de peregrinação do santo.
O tracoma é uma moléstia infecciosa muito antiga, com relatos encontrados em achados arqueológicos que remontam há 1500 a.C. Tal doença é causada por uma bactéria chamada Chlamydia trachomatis e se manifesta com uma inflamação ocular. Esta inflamação crônica é percebida inicialmente com uma leve irritação nos olhos e nas pálpebras, mas que evolui com dor nos olhos e turvação visual. Se não for adequadamente tratada, leva à cegueira.
Essa doença ainda está presente em áreas pobres e rurais do Oriente Médio, da África, das Américas Central e do Sul e sua transmissão se dá por meios do contato com pessoas doentes ou objetos que foram utilizados pelas pessoas contaminadas tais como toalhas de rosto, produtos de maquiagem, lenços etc. Daí o principal motivo para se evitar o compartilhamento de produtos de uso pessoal como pincéis e lápis de olho usados em maquiagem e evitar o uso de toalhas de pano em ambientes públicos, dando preferência sempre a toalhas descartáveis. No caso de contaminação, o tratamento deve ser feito com antibióticos.
Até hoje, o tracoma é a maior causa de cegueira evitável no mundo e dados da Organização Mundial da Saúde de 2022 relatam que 1,9 milhões de pessoas sofrem de cegueira ou deficiência visual devido a essa doença. Apesar de a prevenção ser relativamente simples, como o acesso a água limpa para uma higiene pessoal adequada e evitar o compartilhamento de alguns produtos potencialmente contaminados (toalhas de rosto e pincéis de maquiagem, por exemplo), o tracoma ainda se apresenta como um problema de saúde pública que, infelizmente, é negligenciado por não poucas autoridades governamentais.
Ao meditarmos, ainda que muito brevemente, à luz da fé, sobre os sofrimentos na vida dos santos em geral e no modo como eles os aceitaram, devemos recordar que o mal é, por definição, a ausência de um bem necessário (no caso da cegueira, a falta de luz) e – seja ele físico ou moral – decorre da própria finitude das criaturas. Nunca de Deus. Ele não quer, de modo algum, o mal, mas o permite. Não o permitiria, porém, segundo Santo Agostinho de Hipona, se não pudesse tirar dele bens ainda maiores (cf. Enchridion, XXVIII), mesmo que, por ora, desconheçamos tais bens. Mais: o sacrifício não provocado, mas aceito por amor a Deus e ao próximo (cf. Mt 22,37-39), reveste-se do caráter de ascese (= exercício) passiva e muito ajuda na santificação do sofredor que, sem deixar de buscar a cura, se possível for, não se revolta ante as agruras da vida (cf. Dom Estêvão Bettencourt, OSB. Curso de Espiritualidade. Rio de Janeiro: Mater Ecclesiae, 2006, p. 37-42).