A exposição permite fazer um balanço do estilo do artista, da sua evolução durante os cinquenta anos que separam a primeira ‘Pietà’ das outras duas
Gildas Le Roux, AFP / Publicado no Estadão
A Pietà de Michelangelo, escultura de mármore que simboliza o amor maternal admirada em todo o mundo na Basílica de São Pedro, no Vaticano, ofuscou duas outras versões comoventes do mesmo tema esculpidas pelo gênio renascentista.
Por esta razão, o museu Duomo de Florença, a catedral, proprietária da chamada Pietà Florentina ou Bandini, que acaba de ser restaurada, decidiu expor as três obras juntas pela primeira vez, graças a empréstimos feitos pelo Museus do Vaticano e o museu do Castelo Sforzesco em Milão, onde está localizada a chamada Pietà Rondanini.
Instaladas uma em frente a outra, em uma elegante sala cinzenta, essas variações sobre o mesmo tema (Maria abraçando seu filho falecido), foram realizadas em diferentes fases da vida do artista, que morreu aos 88 anos (1475-1564).
Para o diretor do museu florentino, Timothy Verdon, é uma oportunidade única de captar a evolução intelectual e espiritual de um artista tão importante “que esteve a serviço dos papas durante a maior parte de sua carreira”, disse.
A Pietà do Vaticano, feita entre 1498 e 1499, quando ele tinha menos de 25 anos, surpreendeu seus contemporâneos, deslumbrados com a beleza humilde desta Virgem em prantos, cujo corpo está envolto em um hábil conjunto de tecidos.
Michelangelo, criticado então por retratar uma Maria tão jovem, justificou-se explicando que a virgindade e a pureza mantinham as mulheres jovens e bonitas.
De joelhos está o filho, falecido aos 33 anos, cujo rosto sereno já anuncia a Ressurreição.
Este símbolo universal de beleza e amor recebeu quinze marteladas em 21 de maio de 1972 por uma pessoa desequilibrada, que quebrou o nariz e parte de um dos braços da Virgem. Desde então, a obra restaurada está protegida por vidro blindado.
As angústias de um gênio
Por uma estranha reviravolta do destino, o próprio Michelangelo, conhecido por seu caráter irascível, e insatisfeito com a segunda versão da Pietà feita em 1547, atacou-a com um martelo alguns anos depois, e as marcas ainda são vistas hoje no ombro de Jesus e na mão de Maria.
Ao embarcar na segunda versão, que nunca terminou, o artista, então com 72 anos e sofrendo de depressão, sentiu que a morte se aproximava depois de ter vivido os altos e baixos da história, em particular o saque de Roma em 1527.
A exposição destas três obras “permite fazer um balanço do estilo de Michelangelo, da sua evolução durante os cinquenta anos que separam a primeira Pietà das outras duas, e da transformação drástica e surpreendente entre as duas últimas”, explicou Timothy Verdon.
A terceira Pietà, chamada Rondanini, é sem dúvida a mais surpreendente para um público menos informado: deslumbrante em sua modernidade, a escultura, de dois metros de altura, iniciada em 1552, foi encontrada na residência romana do artista depois de sua morte.
Seu caráter inacabado dá à obra um toque frágil e imperfeito, comunicando a angústia humana de quem está a um passo da morte, que temia o julgamento divino e havia feito voto de pobreza.
Sob o lema “não se pensa quanto custa o sangue”, do Paraíso de Dante Alighieri, que Michelangelo escreveu pouco antes de sua morte em um desenho da Pietà, a exposição ficará aberta até 1.º de agosto. É organizada por ocasião do evento Mediterrâneo Fronteira de Paz 2022, que reunirá bispos e prefeitos do Mediterrâneo em Florença e no qual o papa Francisco participará no próximo domingo.