“É a hora de expressar a fé em Maria, que de tantos títulos se tornou a Mãe não só de Jesus, mas de cada brasileiro, de cada cristão, de cada filho que com fé e amor, recorre ao amor dela”
Cardeal Orani João Tempesta*
Tradicionalmente no segundo domingo de outubro, a Igreja paraense se reúne de forma excelsa para demonstrar sua fé, amor e agradecimento à Nossa Senhora sob o título de Nazaré. Outubro é o mês marcado para celebrarmos a Mãe de Deus no Brasil, pois no dia 12 comemoramos a Senhora Aparecida, Rainha e Padroeira do nosso Brasil, além de termos comemorado no dia 7, a Senhora do Rosário.
Em Belém do Pará, são dias de alegria e muita fé. O dia começa com extensa romaria matinal, pois é o dia do Círio de Nazaré. E assim tem sido a Festa de Nazaré por mais de dois séculos, desde que realizada e oficializada pela primeira vez, em 8 de setembro de 1793 (Viana, 1904). São dias sim, de um intenso, por vezes dramático, encontro que envolve fé, alegria, festejos e sentimentos profundos. Neste ano, mesmo com as orientações de distanciamento e a não realização das procissões com o povo, no entanto, as manifestações são espontâneas. Abaixo algumas impressões que marcam sempre este tempo, embora neste ano (passado e este) elas são realizadas de modo a respeitar o tempo da pandemia.
A procissão do Círio de Nazaré, ao levar às ruas de Belém, capital do Estado do Pará, quase dois milhões de pessoas, repetiu um ritual festivo de mais de dois séculos. Várias pessoas, munidas apenas de sua simples fé. Neste ano, ainda vivendo os tristes índices da pandemia da Covid-19, somos chamados a refletir o Círio de forma diferente, olhando a festa e a comemoração e nos perguntar sobre esse tempo belo da Igreja paraense, luz da fé do povo que reluz em toda a Amazônia. O que o tempo da festa pode nos contribuir?
O Círio de Nazaré é o ponto principal de um ciclo, de um tempo e de um calendário. Ele é o ponto de chegada e de partida de um novo período, de um novo tempo. Por outro lado, o ciclo de círios que ocorre por todo o interior do Estado do Pará é a expressão de um amplo intercâmbio ritual entre interior e cidade, entre espaços e tempos diferenciados que se encontram no tempo da festa propício à realização de uma temporalidade circular. No caso do Círio, esse tempo cíclico parece essencial como valor reconhecido. A sociedade faz uma pausa de fé e entusiasmo comunitário para viver um momento especial. Nessa parada no tempo, os 15 dias da festa, os paraenses e seus convidados destacam os valores, sentimentos, um modo de vida, um estilo de comensalidade e configuram um movimento de pessoas no intenso intercâmbio entre cidade, interior e, também, exterior.
O tempo da festa é um tempo aberto e que se abre a todas as possibilidades de manifestação e onde as diferenças se neutralizam. Ao calendário de um tempo cronológico convencional, organizam-se, simultaneamente, outros sinais mais profundos de vida e das relações sociais em curso. É assim que o Círio de Nazaré é percebido como o Natal dos paraenses, pois ele é um ponto de partida e de chegada de um calendário de vida que vincula todos os eventos da mesma ordem e em menor escala. No ciclo de círios, o tempo da festa e o calendário que a partir dele se organiza permitem o intercurso permanente entre populações de diferentes localidades. Na Amazônia, há um sistema de festas (de santos, especialmente) que está profundamente enraizado na cultura e na vida social, pois é nos períodos de festas que a população paraense realiza as expectativas antes desejadas, da reciprocidade e das obrigações sociais.
Somos chamados a interpretar a festa desse ano, olhando cada pessoa, cada família, cada comunidade que atravessou esse triste momento de dor, de perdas e de sofrimento. A cada ano, o Círio se renova, trazendo gente nova, gerações imbuídas de muita fé, de dedicação e de esperança.
O Brasil é um país católico, que não tem vergonha e nem medo de expressar sua crença, sua história e sua devoção. A cada ano, novas histórias, sonhos, projetos, realizações, superações entram, também, para a marca do Círio. Belém vira a capital do país por um único momento. É a hora de expressar a fé em Maria, que de tantos títulos se tornou a Mãe não só de Jesus, mas de cada brasileiro, de cada cristão, de cada filho que com fé e amor, recorre ao amor dela.
Que a Virgem de Nazaré nos ilumine no caminho sinodal que neste mês de outubro inauguraremos na Igreja de Roma e de todo o orbe católico. Que experimentemos, olhando para Nossa Senhora de Nazaré, uma Igreja sinodal para transformar o nosso coração e a nossa ação pastoral participando, como povo de Deus, do Sínodo dos Bispos, para fazer ouvir as suas vozes, emitir as suas reflexões, para que sejamos melhores cristãos, para recuperarmos a essência da comunidade cristã que é a comunhão. Por isso, Nossa Senhora de Nazaré nos ensina a ver a diversidade na Igreja e que os carismas de todos sejam os de Jesus de Nazaré.
*Orani João, Cardeal Tempesta, O. Cist., Arcebispo Metropolitano de São Sebastião do Rio de Janeiro, RJ