Com o memorial, a Ordem dos Frades Menores Capuchinhos busca preservar a memória de Frei Nemésio nesse espaço de oração
Por Emilton Rocha / Pascom
O Memorial Frei Nemésio Bernardi foi inaugurado no domingo, 23 de junho, com uma Celebração Eucarística, precedida por uma ladainha, no Santuário Basílica de São Sebastião, no Rio de Janeiro. A solenidade teve início às 18h e foi presidida por Frei Luiz Carlos Siqueira, ministro provincial do RJ e ES. Durante a Santa Missa, os restos mortais do querido frade foram transladados para seu local definitivo – o memorial, localizado na antiga capela do batismo onde uma bela cripta sustenta uma pia com água benta.
Em sua homilia, Frei Luiz Carlos disse que a vida de Frei Nemésio no Convento foi sempre uma vida de serviço, aos irmãos da fraternidade e aos irmãos e irmãs que vinham ao seu encontro em busca de consolo, amigo e carinho. “Conseguia ouvir a todos com o coração, talvez por conseguir colocar o seu ouvido no coração de Cristo, seu Mestre e Senhor”.
A partir de agora, será a formada uma equipe que irá cuidar da parte histórica e num futuro próximo o frade capuchinho passará por processo de análise de beatificação, considerada um passo no sentido da canonização. Atualmente as Dioceses têm autoridade para abrir um processo de beatificação. Segundo sites especializados, a causa de beatificação possui um bispo postulador, que atua como uma espécie de advogado, que investiga a vida do candidato para verificar seu testemunho de santidade. Uma vez iniciado o processo, o candidato recebe o título de Servo de Deus.
Na fase inicial, investiga-se as virtudes ou o martírio. Neste último caso, investiga-se as circunstâncias da morte em detalhes. Concluído o processo com parecer positivo, a pessoa é declarada Venerável. Para tornar-se beato, é necessária a comprovação de um milagre por sua intercessão. Esta condição é dispensada em caso de martírio. Uma vez atingida a condição de beato, procede-se o processo de canonização.
De acordo com Frei Arles de Jesus, reitor da Basílica de São Sebastião, o Memorial Frei Nemésio é uma capela, um local de oração onde as pessoas poderão encontrar ali alguém que dedicou sua vida à Igreja, e com Cristo que está ali aonde era a antiga Capela do Batismo. Com o memorial, a Ordem dos Frades Menores Capuchinhos busca preservar a memória de Frei Nemésio neste espaço de oração, para que os fiéis possam aqui, inspirados pelo testemunho do confrade, louvar o Senhor e sair para amar os irmãos.
Gaúcho de Veranópolis, Frei Nemésio Bernardi nasceu em 1927. Aos 17 anos entrou na vida religiosa e, em 1964, veio ao Rio de Janeiro trabalhar na hospedaria do Convento São Sebastião. Duas décadas depois, foi ordenado presbítero e permaneceu no Rio de Janeiro onde exerceu seu ministério com muito empenho e atenção. Hospedeiro, cuidador de enfermos, servidor zeloso da fraternidade, sempre prestativo com o povo, percorreu muitos bairros dessa cidade levando o sacramento da unção dos enfermos ou dando bênçãos em residências e comércio. Faleceu no dia 6 de fevereiro de 2016, concluindo vigoroso testemunho de vida cristã admirada e reconhecida por seu apostolado entre as pessoas.
Na homilia da Missa de Corpo Presente, Dom Orani Tempesta disse: “Que Frei Nemésio, agora repousando na paz, encontre com o seu Senhor e que nos ajude a continuarmos na nossa caminhada enquanto cristãos, e a comunidade de seus irmãos de hábito a perseverança, a continuação da missão que um dia receberam de perseverar com alegria e com generosidade essa bela missão de servir a Deus e aos irmãos e irmãs, anunciando o Evangelho pela vida, pelo testemunho e pela palavra. Que a alma de Frei Nemésio repouse em paz e dê a ele a paz e a luz eterna”.
Um ano após sua morte, Frei Arles promoveu uma exposição em homenagem ao amigo – “Alegria de ser Capuchinho” –, aberta ao público no dia 1º de março, aniversário da Cidade do Rio de Janeiro e início da Campanha da Fraternidade 2017. A exposição mostrava, entre outras curiosidades, o início de sua vida religiosa; sua família que é, em grande parte, composta de religiosos; alguns de seus momentos em vídeo; o tempo em que ficou como irmão; o seu quarto (remontado para a exposição), as roupas (o hábito e túnicas); a mala, do tipo 007, que ele carregava consigo para dar a unção dos enfermos; santos, muitos santos; sua caixa de ferramentas; a âmbula de suas ordenação; seus objetos pessoais que ficaram no convento, inclusive a sua mala da época em que chegou ao Rio.
Também foram expostos suas homilias, seus escritos organizados em pastas, com destaque para as suas famosas frases ditas durante as bênçãos, que foram resgatadas e selecionadas para a exposição. O salão em que aconteceu o evento hoje leva o seu nome.
Em um de seus há um texto que diz: “A morte é um doce sono, que nos faz acordar nos braços do Pai, para os que amam. Ela (a morte) proporcionará o grande encontro com Deus de todas as graças. Ela será a nossa última oração e o começo de nossa suprema ventura. Não há como viver sem caminhar para a morte. Cada dia morremos um pouco. A vida e a morte andam sempre de mãos dadas.”
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Memorial Frei Nemésio, espaço a refletir um testemunho
Fábio Sotero*
A missão de vida franciscana se destaca fortemente como testemunho, a pregação com a própria vida [1]. O seráfico pai São Francisco escreveu aos seus companheiros no século XIII:
Não nos convém sermos sábios e prudentes segundo a carne, mas temos antes de ser simples, humildes e puros. Jamais desejemos ficar acima dos outros, mas prefiramos ser servos e submissos a toda criatura humana, por causa de Deus. Sobre todos os que assim agirem e perseverarem até o fim repousará o Espírito do Senhor e fará neles sua casa e mansão. Serão filhos do Pai celeste, pois fazem suas obras, e são esposos, irmãos e mães de nosso Senhor Jesus Cristo. [2]
O velho ditado popular diz que “uma andorinha só não faz verão”, fazendo alusão a eficácia da coletividade. A experiência cristã exulta os fiéis a viverem essa dimensão coletiva do ser. Na vocação religiosa, o esforço da missão não é uma resposta apenas individual, mas comunitária.
Na comunidade de religiosos franciscanos, o testemunho e a missão de vida seguem as diretrizes do fundador; e, inspirados pelo exemplo de São Francisco, abraçam como partícipe e destinatária da missão toda criatura. É latente no carisma franciscano a dimensão ecológica da resposta ao chamado de Deus. A expressão do Capuchinho como testemunha da graça divina não se relaciona e se direciona apenas à humanidade, mas a toda criatura. Destarte, a iconografia no espaço sagrado franciscano é rica em elementos naturais, seja do cosmos, mineral, da fauna ou flora.
A vida do saudoso Frei Nemésio se mostra um exemplo: acolheu a fé; abraçou a missão; resplandeceu de alegria; ocupou-se “mais com o iniciar processos do que possuir espaços” como escreve Papa Francisco em sua exortação Alegria do Evangelho [3]; dedicou seu tempo e liberdade para testemunhar o amor. A comunidade franciscana e o corpo apostólico do Santuário Basílica São Sebastião ratificam as palavras de São Francisco reconhecendo em Frei Nemésio um testemunho heroico de vida cristã.
O Memorial Frei Nemésio acolhe esta inspiração e a apresenta espacialmente através de novos elementos arquitetônicos e pictóricos na Capela do Batismo do Santuário Basílica São Sebastião. Sendo integrante do espaço arquitetônico tombado do Santuário Basílica, o Memorial Frei Nemésio foi projetado de modo a ser viável sua desmontagem sem prejudicar a arquitetura original. O Santuário, que foi testemunha do próprio testemunho de Nemésio, faz memória de sua vida e da ação de Deus, dAquele que nele fez morada.
Iconografia e Mistagogia do Espaço
No Atrium do Santuário – lugar de receber o outro – uma cortina translúcida com a imagem de Frei Nemésio é fixada no alto do arco de acesso à Capela. Este primeiro elemento visa acolher a memória afetiva dos que o conheceram e apresentá-lo aos demais. É um elemento que traz a imagem do estimado franciscano, desenvolvida pela artista plástica Lilian Vidal, de modo a “torná-lo presente” visualmente no espaço e facilitar o (re) conhecimento aos visitantes. A cortina é como uma tela, a imagem se torna quase que translúcida, permitindo visualizar de certa forma o que está além. É a experiência proposta: ao fazer memória de servo contemplar o próprio Senhor que nele fez morada.
O vitral original – e mantido – apresenta São João batizando o Senhor Jesus (Lc3,15-16.21-22). Sobre o batismo São Gregório de Nazianzo [4] esclarece:
Cristo é iluminado no batismo, recebemos com ele a luz; Cristo é batizado, desçamos com ele às águas para com ele subirmos. Xxxxxx João batiza e Jesus se aproxima; talvez para santificar igualmente aquele que o batiza e, sem dúvida, para sepultar nas águas o velho Adão. Antes de nós, e por nossa causa, ele que é Espírito e carne santificou as águas do Jordão, para assim nos iniciar nos sacramentos mediante o Espírito e a água.
O programa iconográfico do memorial apresenta estes elementos: o Espírito que santifica, o Cristo que se aproxima e ilumina, a água através da qual somos transformados e o poço, local da alegria, do encontro.
O teto da capela traz uma revoada de pássaros. Não são pássaros realistas, mas pássaros reais, sendo lidero Espírito Santo. A pintura é um retrato da igreja celeste. O Espírito Santo toca Aquele que desce a nossa dimensão, o Cristo, sol que não tem ocaso, representado pela cruz tridimensional e única fonte de luz do espaço.
A Cruz, uma luminária pendente, ilumina basicamente o teto no alto de seus 7,5m. Um ponto de luz é diferente e, voltado para baixo, destaca a urna. Os olhos naturalmente se direcionam para ela. A urna com os restos mortais e relíquias de Frei Nemésio assume o lugar antes ocupado pela pia batismal, hoje localizada no presbitério. A urna se apresenta como um elemento arquitetônico irmão da anterior pia batismal, um prisma em mármore como um poço, local atrativo onde o fiel faz memória de seu Batismo, ratifica sua missão como cristão e se benze com água abençoada.
A urna é o poço. Local do encontro com Deus. A água que Jesus transforma e gera vida está presente (Jo4,5-42). E o crente percebe que há mais que água. Lá estará exposto, abaixo da água esob bacia translúcida,um terço utilizado pelo estimado capuchinho. Mais abaixo, já totalmente protegidos, os restos mortais. Através da água, a pessoa “toca” visualmente a relíquia, se benze e principalmente se ilumina com a graça divina que desce, vai às profundezas e transforma a pessoa em alimento como o próprio Senhor fez e ensinou, tendo como exemplo heroico o frei Nemésio, em sua simplicidade.
Ao naturalmente voltar olhar para cima, o crente observa a Cruz pendente e guiada pelo Espírito ladeado por tantos outros pássaros. Pode se sentar em um dos bancos especialmente desenhados para ter seu tempo de oração. A sensação é a de liberdade, própria de quem contempla uma revoada de pássaros e também de quem acolhe a graça de Deus.
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(*) Fábio Sotero é Arquiteto, especialista em Espaço Litúrgico