“Há consolo no luto?” – um artigo de Frei Eduardo Melo

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Há consolo no luto?

Frei Eduardo Melo

No abraço senti o seu corpo magro. Notei seus olhos baços. Eles me contemplavam sem entusiasmo. Ela voltava do enterro de seu filho. Acidente de carro. Os meninos tinham ido à praia, e na volta, por infelicidade do destino, um louco veio na contramão e tum! Sonhos foram destroçados. Logo na primeira palavra, percebi na voz quebrada: ela era uma mulher sofrida. Eu imaginava, sem alcançar, a angústia que minha amiga atravessava. 

Ela experimentava a hora mais dolorida. Seu momento era o mais terrível da existência: o luto. 

A morte é sorrateira, insidiosa e traiçoeira. Os desenganados recebem o bilhete fatal sem nenhum tempo para arrumar a casa. Para minha amiga a guilhotina desceu sem aviso. A morte não respeitou sequer possíveis imaturidades. A morte serpenteou, deu o bote, feriu e ceifou a seu bel prazer. O que dizer, diante de uma mãe que chora, de uma esposa que perde o chão e que não sabe se terá forças para achar o norte? 

As respostas aparentemente confortadoras se esvaziam. Deus tem um plano.  Ele leva para si os bons. Chegou a hora.  Frases bobas. Elas funcionam como aspirina, aliviam sem curar. Em um esforço medonho de não parecer professoral, procurei oferecer outro modelo de como perceber os mistérios da vida. Logo notei meu esforço inútil. Minha amiga esperneava dentro da cerca teológica que fora educada. Deus governa e como um dramaturgo celestial, conduz o desenrolar de nossas vidas. Deus não permite que nada aconteça sem que esteja previsto em seu roteiro, foi-lhe ensinado assim… 

Silenciei, abraçado. Voltei depois da igreja para casa arrasado. Chorei. Por horas não consegui apagar o sofrimento daquela mãe. Além de ter que aprender a repetir a frase terrível do “nunca mais verei ele”, ela terá de brigar com a sua ideia de Deus. Que tristeza. Deitado, insone, escutei sua indignação lacerante: Por que Deus se mantém obscuro em seus planos? Por que, tão indiferente? Vou esperar quanto tempo até entender seus motivos para levar meu filho? (levar não passa de eufemismo para “matar”) 

Debulhei-me em lágrimas.

A morte baterá em outras portas. A ceifa da morte não cessa. Nunca distingue justos de injustos. Traficantes vivem, as vezes, mais do que mulheres bondosas. Pais enterram os filhos – o certo deveria ser o contrário. Acidentes eliminam em uma só tacada, jovens e idosos. Os amigos de Jó erram nas conjecturas sobre o sofrimento universal. O justo Jó é arrasado por todo tipo de infortúnio, sem que se conheçam os porquês de sua aflição. 

Prefiro a insinuação bíblica de que Deus que não age como um ser a puxar os cordões das marionetes. Considero-o Emanuel: O Deus presente, o Deus consolo. Jesus encarnou e viveu a sua humanidade até às últimas consequências. Semelhantes a ele, no espaço da liberdade, também estamos cercados de perigos, e sempre à beira do derradeiro suspiro. 

Deus não arbitra quem morre. Ele não rege a história segundo critérios inacessíveis. Deus se compromete a revelar seu amor no soluço da perda. Deus se revela em cada abraço, em cada palavra de solidariedade e em cada gesto de lealdade. A nossa dor dói em Deus, afirmou o profeta Isaías. Deus fonte de compaixão – nas duas raízes para “com-paixão”: Deus sofre junto. 

Nada posso especular sobre a morte, mas minha intuição avisa: reconhecer a companhia fiel de Deus traz mais conforto do que questionar os porquês das coisas que não nos são acessíveis. O sofrimento é Mistério e como tal, tange inteiramente nossa humanidade. 

Vida que segue…

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