Uma história de túmulos perdidos, inscrições em línguas antigas e ossos humanos digna de “Indiana Jones”
Atradição oral sempre ensinou que o imperador Constantino construiu a primeira Basílica de São Pedro no mesmo local do túmulo do primeiro Papa. Até o século XX, nenhuma tentativa havia sido feita para validar ou invalidar essa crença. As pessoas de fé confiavam nos ensinamentos transmitidos de geração em geração. Mas, em 1939, um evento fortuito desencadeou escavações arqueológicas e envolveu cristãos e cientistas em uma verdadeira saga de Indiana Jones.
A atual Basílica de São Pedro tem um nível inferior chamado “Grutas do Vaticano”, onde muitos Papas estão enterrados. O nível do piso dessas cavernas corresponde aproximadamente ao da primeira basílica, construída no século IV.
A descoberta inicial
Pio XI expressou o desejo de ser enterrado nessas grutas, juntamente com Pio X. Apesar das condições superlotadas do local, o novo Papa Pio XII estava ansioso para respeitar os últimos desejos de seu antecessor. Assim, ele decidiu rebaixar o pavimento das cavernas para ampliar o espaço dedicado ao futuro mausoléu. Enquanto realizavam o trabalho, os trabalhadores descobriram um espaço vazio sob o pavimento, onde podiam ser vistos os restos de um edifício funerário. Assim, surgiu um terceiro nível, o de uma necrópole romana.
Pio XII sempre se interessou pela arqueologia cristã, vendo nela, com razão, uma excelente maneira de dar vida aos escritos da era protocristã. Consequentemente, ele ordenou a continuação da pesquisa e lançou escavações arqueológicas com os melhores especialistas, arqueólogos e exegetas trabalhando juntos.
No total, dois projetos de escavação (1940-1947 e 1953-1957) possibilitaram a exploração, sob a basílica, de uma das mais ricas e bem preservadas necrópoles romanas, que remonta aos séculos I e II d.C. Os arqueólogos descobriram 22 túmulos grandes, bem como centenas de menores, em ambos os lados de um beco estreito.
Mas a descoberta mais espetacular, aquela que desde então despertou a atenção histórica e a devoção religiosa, foi, obviamente, a descoberta do túmulo de São Pedro. De fato, os arqueólogos desenterraram, diretamente abaixo do altar-mor de Bernini, os restos de um pequeno monumento funerário construído em meados do século 2 e que acabou sendo, com toda a probabilidade, o túmulo do primeiro Papa.
Os mártires
Já no final do século I, fontes cristãs mencionam o martírio de Pedro em Roma: os Atos de Pedro, um texto apócrifo, relatam a crucificação do apóstolo (com a cabeça para baixo) no circo de Calígula, que acabara de ser restaurado por Nero.
Esse circo estava localizado nos arredores de Roma, aos pés da colina do Vaticano, onde se estendia um vasto mausoléu com túmulos pagãos e cristãos. Não há dúvida de que a comunidade cristã de Roma reivindicou o corpo de Pedro para enterrá-lo com dignidade, conforme autorizado pela lei romana após uma execução.
Naquela época, os cristãos costumavam enterrar os mártires nas proximidades do local de sua morte, sem dúvida para facilitar a transmissão da memória dos lugares. Por outro lado, eles ainda estavam seguindo a lei judaica, que prescreve que o falecido deve ser enterrado o mais rápido possível. Portanto, Pedro foi, como Cristo, enterrado o mais próximo possível do local de sua execução.
Primeiros testemunhos
A primeira menção que chegou até nós sobre o túmulo de Pedro na colina do Vaticano data de cerca do ano 200. Ela está em uma carta enviada pelo sacerdote Gaius a um certo Proclus. Ele explica que os apóstolos Pedro e Paulo estão enterrados em Roma, o primeiro no Vaticano e o segundo na estrada para Ostia: “Obviamente, posso lhe mostrar os troféus dos apóstolos. Se você quiser ir ao Vaticano ou no caminho para Ostia, encontrará os troféus daqueles que fundaram a Igreja Romana.”
Nesse texto, a palavra “troféu” designa o monumento construído sobre o túmulo, um monumento que representa a recompensa do mártir, a vitória da vida eterna sobre a morte.
Como Christophe Dickès explica em sua excelente biografia de São Pedro, o texto de Gaius e o monumento descoberto sob a basílica confirmam e acrescentam credibilidade à tradição da Igreja, fruto de uma longa tradição oral e escrita que remonta ao primeiro século.
Ossos antigos
Mas a história não termina aí. Um dia, em 1941, Mons. Kaas, um dos responsáveis pela escavação, estava fazendo sua visita diária na companhia do líder dos trabalhadores. Por respeito ao falecido, Mons. Kaas estava particularmente atento para garantir que os numerosos ossos humanos desenterrados fossem coletados e piedosamente preservados.
Assim, cada lote de ossos foi cuidadosamente registrado e gravado em uma caixa individual. Enquanto faziam o balanço do trabalho do dia, os dois homens descobriram ossos humanos em uma espécie de cavidade secreta, escavada em uma das paredes do agora conhecido pequeno monumento funerário, que ficou conhecido como o “troféu de Gaius”.
Essa cavidade chama a atenção por ser revestida com placas de mármore. Monsenhor Kaas coletou cuidadosamente os cem ossos humanos e os depositou em uma caixa numerada, que foi colocada junto com as outras caixas em um galpão. Em seguida, ela foi esquecida por vários anos.
Surpresa absoluta
Durante o segundo período de escavação, um epigrafista removeu a caixa e enviou os ossos para o laboratório. A análise revelou que eles pertenciam a um indivíduo do sexo masculino, de constituição robusta apesar de sua artrite, com idade entre 60 e 70 anos na época de sua morte. Essa descrição poderia muito bem corresponder a Pedro.
Junto com essas análises, o epigrafista registrou na parede do local uma inscrição em grego – Petro Eni – que pode ser traduzida como “Pedro está aqui” ou “Pedro descansa em paz”. Essas descobertas ressoaram como um trovão no mundo científico e no mundo cristão: os arqueólogos acreditavam ter encontrado não apenas a tumba de São Pedro, mas também seus restos mortais sagrados.
Portanto, as descobertas arqueológicas, as descobertas arquitetônicas e as análises biológicas são consistentes com o antigo testemunho de Gaius. Mas, ainda mais simples, todo esse trabalho e pesquisa estão de acordo com a Tradição da Igreja. De fato, a basílica de Constantino foi construída sobre o túmulo de Pedro e ao redor dele. As pessoas da Renascença, na época da reconstrução da basílica, respeitaram perfeitamente a crença popular, apesar de não terem nenhuma evidência material. E, séculos depois, o túmulo foi encontrado logo abaixo da cúpula de Michelangelo e do altar de Bernini.
As relíquias do santo apóstolo e primeiro Papa foram expostas para a veneração dos fiéis pela primeira vez em 2013. Seis anos depois, o Papa Francisco, em um profundo gesto de unidade, ofereceu parte das relíquias de São Pedro ao Patriarca Bartolomeu. Agora honradas em Roma e Constantinopla, essas relíquias constituem um forte vínculo histórico entre católicos romanos e ortodoxos.