QUEM SÃO OS GUARDIÕES DAS RELÍQUIAS DA CIDADE?

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Frei Arles Dias de Jesus – Ofmcap Guardião do convento e Pároco da Igreja de São Sebastião, na Tijuca

Os guardiões da História

Por Frei Arles de Jesus – Publicado no Portal de Notícias da Arquidiocese de São Sebastião do Rio de Janeiro

Em meados do século 19, a cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro estava povoada de devoções a outros santos, como provam as inúmeras igrejas de ordem terceira. Consta nos relatos históricos que o resgate da devoção a São Sebastião está intimamente ligado com a atuação dos frades capuchinhos no extinto Morro do Castelo. Com sua oratória eloquente, eles trouxeram à população carioca a consciência de que deveria subir o morro, a fim de prestar homenagem a Estácio de Sá, o fundador da cidade, e o devido culto ao padroeiro que protegeu os bravos guerreiros que defenderam a cidade contra as invasões no início da colonização. 

Vivência da fé

Os frades também se empenharam para que os fiéis pudessem lançar um olhar sobre a primitiva imagem e compreender como São Sebastião manteve sua esperança no Senhor. Uma decisão de fé que remete à grande verdade ensinada por Jesus e difundida pelo apóstolo São Paulo: que o amor crê, espera e suporta, pois há um sentido de ser filho de Deus, de ser construtores do Reino. 

Fortalecimento da devoção

Depois do desmonte do antigo templo, a transladação das relíquias da cidade (marco de fundação, restos mortais do fundador e a imagem histórica do padroeiro) aglomerou milhares de fiéis, mostrando a retomada da consciência de que a cidade nasceu sob a guardiania de São Sebastião. 

Guardiões da história

A ordem capuchinha sempre teve ao longo de sua história o zelo pela Palavra de Deus, liturgia, austeridade missionariedade, agregando em seu modo de viver os títulos de zelosos e de austeros penitentes. Ao recebermos das mãos do imperador Dom Pedro II a guardiania das relíquias da cidade, não recebemos somente objetos e os ossos do fundador, mas sim a missão de zelar pela história, gênese de cada cidadão desta cidade. Estas relíquias estão impregnadas de fé, coragem, sorrisos, lágrimas, esperança, amor, suor e sangue. Elementos estes que construíram a identidade deste povo. 

Restauração da fé

O desgaste encontrado na imagem histórica na região dos pés e na mão esquerda, como disseram os restauradores, são testemunhos de fé e do acreditar que somos olhados, observados por Aquele que nos ama incondicionalmente e por aqueles que seguiram este amor incondicionalmente indo de encontro a última consequência que é o martírio. 

Missão capuchinha

Nossa missão enquanto capuchinho é animar, cultivar, desentranhar esta história de fé e mostrar que todos somos construtores de um mundo melhor, de um Rio de Janeiro melhor sob a luz de Deus Pai e, assim, estaremos construindo o céu que já é e ainda não, vivenciando esta realidade, trazendo a cada irmão e irmã que independente de nossa denominação religiosa. Somos amados por um Deus e, assim, possamos caminhar junto nesta estrada que se finaliza no céu, que é apenas o começo de uma nova realidade. 

Bons frutos

A atuação capuchinha no contexto cultural se dá pela erudição revelada nos sermões inflamados, na arquitetura. Tomo como exemplo a Igreja de São Fidélis em Campos, a restauração da antiga Igreja de São Sebastião, embora não tivessem trabalhado ativamente na construção da talha, mas as informações teológicas e catequéticas encontradas no templo saíram na meditação e conhecimento dos frades. A implantação no século 18 da devoção de São Francisco de Paula, pelo frei Anselmo, OFMCap, e principalmente a cultura do acolher os mais necessitados, proscritos e aqueles que sofriam com as dores da alma. Um fato importante é que os frades capuchinhos também vieram com os navios negreiros, não numa situação superior, mas, sim, junto com estes desafortunados. Naquela miséria humana, os capuchinhos, curavam as feridas dos escravos, acalentavam-nos e enterravam seus mortos no mar. Silenciosamente os capuchinhos se inseriram na cultura da terra da colônia.

Um dado mais recente é o grande orador frei Vital Ronconi, que foi o grande orador nesta cidade, sendo imortalizado pelo artista Dimitri Smalovich, que considerava a arte a sua missão de tornar imortal todas as pessoas que se destacavam no meio cultural. No caso ele retratou Lili Marinho, Clarice Lispector, Manoel Bandeira e muitos outros. 

Identidade carioca

Além das descobertas significativas desta imagem histórica, esta festa traz uma conotação mais ampla do que é estar inserido neste acontecimento. Somos frutos de batalhas, amores, esperanças, alegrias, sofrimentos, suores e sangue, e tudo isso moldou a característica do ser carioca. Mesmo aqueles que largaram a cidade de origem e vieram morar aqui, passaram a fazer parte deste organismo carioca, vivenciando em toda a sua potencialidade e vislumbrando o alvorecer da consciência do querer seguir em frente, sob a fé suprema que alimenta e encoraja aqueles que não se acovardam diante das dificuldades. 

Construir o futuro

Mas esta festa de nada valerá se não voltarmos o olhar para o passado, averiguar aquilo que não deu certo, ver a consequência destes atos no presente e sermos maduros o suficiente para projetar construir o futuro, os próximos 450 anos, que legaremos aos nossos. O ano de 2015 será um tempo propício para projetar o futuro, construir consciências, transmitir um reino de paz sob a ótica do respeito e amor. O que pretendemos realmente fazer nos próximos 450 anos, tendo a experiência que tivemos? Como diz o poeta, cada um sabe a beleza e a dor de ser o que é e aquilo que traz no coração. 

Patrimônio cultural

Os capuchinhos não só fortaleceram a festa do padroeiro, comemorada no dia 20 de janeiro, como também introduziram a bênção dos capuchinhos, iniciada na Gruta de Nossa Senhora de Lourdes, eregida no antigo templo. A tradicional bênção dos capuchinhos, também conhecida como bênção dos barbadinhos, concedida na primeira sexta-feira de cada ano (em 2015, no dia 2 de janeiro), hoje é patrimônio cultural carioca, junto com a procissão da Festa de São Sebastião.

 

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