“Não binarie”: certidões de nascimento no RJ usam “linguagem neutra”

Forma linguística, não reconhecida pela gramática, foi adotada em documento oficial após parceria entre Defensoria Pública e Tribunal de Justiça

CÍNTIA CHAGAS: “A linguagem neutra exclui uma maioria gritante, que é contra essa aberração linguística”

Aleteia / Francisco Vêneto

Cerca de 50 certidões de nascimento foram recentemente adaptadas na cidade do Rio de Janeiro para incluir o rótulo ideológico “não binarie” no lugar dos sexos biológicos masculino ou feminino. É chamativamente paradoxal, no entanto, que o campo existente no documento para identificar o sexo do indivíduo seja explicitamente descrito como “sexo” e não como “gênero”, contradizendo a própria narrativa ideológica na qual se baseia esta novilíngua.

De fato, segundo as teorias de gênero, o sexo biológico não necessariamente condiria com a assim descrita “autopercepção de gênero”, que, de acordo com os seus ideólogos, poderia variar entre uma literalmente indefinida quantidade de rótulos como “demigênero”, “gênero fluído”, “neutrois” e dezenas de outros.

Da certidão de nascimento à CNH

A novidade implementada em um documento oficial se deve, segundo matéria do jornal local O Globo, a uma parceria entre a Defensoria Pública do Rio de Janeiro e a Justiça Itinerante do Tribunal de Justiça daquele Estado. Esta parceria facilitou o proferimento de sentenças favoráveis a pessoas que solicitavam a requalificação civil para “não binarie”.

Ainda de acordo com O Globo, a Defensoria Pública pretende mudar também as carteiras nacionais de habilitação para conduzir veículos (CNH): a matéria cita Mirela Assad, coordenadora de um núcleo da Defensoria, para quem “a diretoria do Detran se mostrou muito receptiva ao pleito”. Mirela opina, conforme a reportagem, que, “em breve, o sistema de identificação civil incluirá a opção ‘não binarie’”.

“Não binarie”

“Não binarie”, que no idioma português seria traduzido como “não binário”, é um exemplo de uso do que veio a ser chamado de “linguagem neutra”, um controverso jargão inventado e defendido por uma parcela dos ativistas da ideologia de gênero. De acordo com os defensores dessa ideologia e da sua derivação linguística, seria necessário tergiversar o idioma para fomentar a sensação de inclusão de pessoas que alegam não identificar-se com os sexos masculino ou feminino.

Os ativistas defensores da “linguagem neutra” alegam que os gêneros gramaticais masculino e feminino teriam teor sexista e deveriam ser substituídos por construções “não binárias”. Os artigos “a” e “o”, por exemplo, seriam trocados por alternativas inexistentes no idioma, como “e”, assim como os pronomes “ela” e “ele” seriam substituídos por artificialidades como “elu” ou “ile”; por sua vez, palavras como “todos” e “todas” seriam deformadas em versões como “todes” ou um impronunciável “todxs”.

Discordâncias e controvérsias

A opinião dos defensores dessa novilíngua parece distante do consenso da sociedade. A professora de língua portuguesa Cíntia Chagas, por exemplo, declarou que a linguagem neutra empobrece o idioma e discrimina pessoas, contrariando o seu próprio objetivo alegado. De acordo com Cíntia, “a linguagem neutra exclui 43 milhões de disléxicos no Brasil. Impõe-se mais uma barreira a um público que já sofre com dificuldades de aprendizagem. Além disso, a linguagem neutra exclui uma maioria gritante, que é contra essa aberração linguística”.

Governos de Estados brasileiros como Santa Catarina, Rondônia e Mato Grosso do Sul já emitiram decretos vetando o uso desse dialeto em documentos oficiais.

A Advocacia-Geral da União (AGU) se manifestou favorável à proibição com base em dois pareceres do Ministério da Educação (MEC). Em seu posicionamento, a AGU declarou que “as modificações referentes à linguagem neutra, por serem alheias ao uso corrente da língua, também são alheias ao cotidiano de crianças, jovens e adultos da sociedade brasileira em geral”.

Já a Procuradoria-Geral da República (PGR) interpretou os decretos estaduais como inconstitucionais porque somente a União poderia legislar sobre o uso oficial da língua portuguesa no país. Ainda assim, a PGR esclareceu não ter a “pretensão de definir ou chegar a consensos sobre a necessidade, a viabilidade ou mesmo a vontade de tornar oficial a hoje denominada linguagem neutra”, mas sim determinar apenas a “delimitação de competências para tratar do tema”, que, a seu ver, não cabe aos governos estaduais.

Vários outros países, mesmo rotulados “liberais”, como a França, já restringiram esse mesmo tipo de intromissão ideológica na gramática.

Os surtos de recatalogação e rotulação de tudo o que existe para se encaixar em visões ideológicas não tem nada de novo – e, contraditoriamente, costuma ser promovido de modo impositivo e agressivo por grupos que se dizem promotores da “tolerância” e da “inclusão”.

Por envolverem a tendência a transformar em regra arbitrária para toda a sociedade aquilo que é mero ponto de vista ou preferência de uma minoria, um risco real das “revoluções culturais” artificiais é o da censura a quem preserva visões da realidade incompatíveis com a “novidade” imposta.

A História da humanidade acumula abundantes exemplos de tentativas de destruição dos legados culturais que afrontam a versão artificial da realidade imposta pelos grupos “revolucionários”. Aberrações como os regimes de terror que se seguiram à Revolução Francesa ou à ascensão de fanáticos como os talibãs ou o Estado Islâmico, assim como os governos nazistas e fascistas ou as ditaduras comunistas que ainda persistem na China e na Coreia do Norte, entre muitos outros preocupantes precedentes, impuseram a sua “revolução cultural” cuja “tolerância” tratava (e trata) os dissidentes com o silenciamento – na maioria das vezes, irreversível.

Chegaremos a tanto com a “revolução cultural” da novilíngua de gênero? Não necessariamente. Mas é imperioso monitorar com objetividade as medidas que serão tomadas pelo Estado contra quem continuar a questioná-la.

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