CNBB manifesta preocupação e alerta sobre os riscos dos jogos de azar há mais de quatro décadas

Historicamente, a CNBB tem manifestado sua posição contrária aos jogos de azar, de acordo com o que ensina o parágrafo 2413 do Catecismo da Igreja Católica: os jogos de azar são inaceitáveis quando levam à dependência ou privam alguém do que é necessário para sustentar sua família.

Por Luiz Lopes Jr / CNBB

Assunto frequentemente proposto para debate nas casas legislativas, os jogos de azar retornam à pauta da sociedade com a possibilidade de o projeto de Lei 442/1991 ir ao Plenário do Senado Federal. Tal proposta que pode liberar cassinos, bingos, jogo do bicho e apostas esportivas acende o alerta na Igreja Católica, que há mais de quatro décadas chama atenção para os prejuízos morais, sociais e familiares, além da possibilidade de associação dessa prática com a lavagem de dinheiro e o crime organizado.

Presente na sociedade

Dados compartilhados nas redes sociais da CNBB destacam o impacto que os jogos de azar e as apostas pela internet já têm na sociedade brasileira. O Departamento de Psiquiatria da Universidade de São Paulo (USP) estima em 2 milhões o número de pessoas viciadas em jogos de azar no Brasil. E, em 2023, o Banco Central contabilizou R$54 bilhões gastos em apostas on-line. Pesquisa do Instituto Locomotiva identificou que 86% das pessoas que apostam possuem dívidas.

Patologia

A prática dos jogos de azar pode levar à patologia do jogo compulsivo, uma doença classificada pela Organização Mundial da Saúde. A senhora Janete Gonçalves Mendes envolveu-se com jogos de azar e teve a experiência de “ruína” em sua vida, deixando tudo o que tinha, e pôde se recuperar com apoio da Fazenda da Esperança.

“O jogo vicia muito mais rápido do que qualquer droga química. Eu me viciei em cassino clandestino, é um vício silencioso que te leva exatamente tudo. Eu perdi tudo, saí sem nada, com dívidas enormes, mais de R$300 mil, sem ter esse dinheiro”, testemunhou.

Edson Ribeiro, agente multiplicador da Pastoral da Sobriedade, situou o transtorno por compulsão por jogos como um “problema muito sério para tantas famílias” e que causam dependência de tal forma que as pessoas não encontram outra forma de ser feliz senão ao jogar.

“Pessoas que criam a dependência nos jogos acabam por prejudicar não somente a sua vida, como também a vida de seus familiares. Deixam de levar o sustento pra casa, gastando todo o seu dinheiro com os jogos; ficam se endividando, trazendo risco para sua vida e para a vida dos seus”, alertou.

Nesse contexto, a Pastoral da Sobriedade propõe o Programa de Vida Nova: “Nós da Pastoral da Sobriedade estendemos as nossas mãos, abrimos os nossos braços para acolher aqueles que querem uma vida nova, uma transformação em sua vida”.

Posição histórica da Igreja

Historicamente, a CNBB tem manifestado sua posição contrária aos jogos de azar, de acordo com o que ensina o parágrafo 2413 do Catecismo da Igreja Católica: os jogos de azar são inaceitáveis quando levam à dependência ou privam alguém do que é necessário para sustentar sua família.

Daí surgem os posicionamentos da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), por razões éticas e evangélicas, contra o jogo de azar, especialmente por conta dos irreparáveis prejuízos morais, sociais e, particularmente, familiares que a prática carrega consigo. Mesmo após 40 anos dos primeiros registros levantados pelo Centro de Documentação e Informação (CDI) da CNBB, os apontamentos da Conferência permanecem atuais.

Em 1981, Dom Ivo Lorsheider, então secretário-geral da CNBB, tratou no Ministério da Justiça sobre a necessidade de um esforço comum “em prol da moralização dos espetáculos e revistas e da grave inconveniência de medidas que venham a liberalizar o jogo” no Brasil, coforme registro no Comunicado Mensal da CNBB.

Dez anos depois, com uma proposta de reabertura dos cassinos apresentada no Congresso Nacional, o então bispo de Taubaté (SP), dom Antonio de Miranda, escreveu artigo no qual demonstrou tristeza em relação ao “estado de decadência moral” ao qual o Brasil teria chegado. “Pensar que jogo de azar é caminho para uma nação civilizada sair do caos econômico… O brasileiro, desesperançado diante de tamanha crise, necessita de estímulo para o trabalho produtivo, não para jogatina desenfreada”, exortou.

Mais à frente, em 23 de agosto de 94, o então presidente da CNBB, dom Luciano Mendes de Almeida, participou do 1º Simpósio de Jogos no Brasil, no qual expôs o posicionamento da Igreja sobre a abertura de jogos no país. Dom Luciano falou das razões que justificam a convicção contra a indústria de cassinos. Sobre o argumento de que há a necessidade de mais empregos, dom Luciano afirmou que “não basta ampliar as oportunidades de trabalho; é preciso, também, que sejam empregos sem riscos morais”.

“Os jogos de azar apresentam a ilusão de um ganho fácil, desfazendo o apreço ao trabalho honesto e sério. Resulta daí uma confusão na ordem de valores, lesando o horizonte de ideais da juventude e acarretando a ambição e a vontade de acumular riquezas em benefício próprio e exclusivo. Cresce, aos poucos, a atração descontrolada pelo lucro exorbitante, a vida fácil e até a corrupção”, disse dom Luciano na oportunidade.

Numa nota da Presidência e da Comissão Episcopal de Pastoral de 30 de maio de 1996, a CNBB reafirmou valores morais e destacou os males dos jogos de azar:

– o ambiente envenenado dos cassinos, marcado pela bebida, a prostituição, o uso e o tráfico de drogas, a lavagem de dinheiro;

– a busca do ganho fácil, em lugar do trabalho honesto, como ideal de adultos e jovens;

– o desespero que toma conta de jogadores arruinados, com a consequência de distúrbios psiquícos e tentativas de suicídios;

– a dependência, verdadeira escravidão, do vício do jogo, não diferente de todos os outros vícios;

– a tentativa de ganhar hoje o que se perdeu ontem, no jogo, com o possível perigo de perder ainda mais;

– a ruptura da harmonia familiar, o medo e a insegurança que se instalam nos lares;

– a deseducação dos filhos por causa da ausência dos pais jogadores.

Naquela ocasião, os bispos insistiram que os poderes públicos investissem seus esforços “não no afã de liberar os jogos, mas em programas de educação, saúde, habitação, trabalho e salário decentes, segurança pública – verdadeiros ingredientes de uma autêntica cidadania”.

Em 2009, a CNBB tratou de uma novidade em relação aos jogos, abordando os bingos eletrônicos. Para a Conferência, a legalização dessa prática possibilitaria “o retorno a um mal já superado, colocando em risco a segurança e o bem-estar das famílias, submetendo à exploração tantas pessoas, tornando-as dependentes”. Também naquela ocasião a CNBB alertou para a gravidade da abertura para um novo campo para a prática de diversos crimes, entre estes a lavagem de dinheiro.

Uma das últimas notas da CNBB sobre o assunto foi publicada em 2022, quando foi aprovada a urgência para apreciação do PL 442/91. Na oportunidade, a CNBB considerou como ato nefasto a aprovação de urgência e alertou que esses jogos podem estar associados à lavagem de dinheiro e o crime organizado.

Foi lembrada na nota que “o jogo de azar traz consigo irreparáveis prejuízos morais, sociais e, particularmente, familiares”.

Aos parlamentares, a Conferência disse que “o voto favorável ao jogo será, na prática, um voto de desprezo pela vida, pela família e seus valores fundamentais”.

Dois pontos importantes

Em suas reflexões, a CNBB tem considerado dois pontos importantes para levar o posicionamento da Igreja. O primeiro frente à falácia de que a liberação aumentará a arrecadação de impostos, favorecerá a criação de postos de trabalho e contribuirá para tirar o Brasil da atual crise econômica, argumento levantado também há 40 anos. Esses argumentos seguem tese de que os fins justificam os meios e não consideram a possibilidade de associação dos jogos de azar com a lavagem de dinheiro e o crime organizado.

O outro ponto diz respeito aos prejuízos morais, sociais e, particularmente, familiares relacionados aos jogos, cuja prática compulsiva é considerada uma patologia no Código Internacional de Doenças, da Organização Mundial de Saúde. Para a CNBB, o sistema altamente lucrativo dos jogos de azar tem sua face mais perversa na pessoa que sofre dessa compulsão.

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