Rio 2016: Por Jogos mais humanos

Papa Francisco envia mensagem a Dom Orani parabenizando-o pela iniciativa e concede bênção apostólica

O Museu do Amanhã, um dos legados das Olimpíadas Rio 2016, sediou, no dia 23 de junho, a “Conferência 100 Dias de Paz”. O evento, promovido pela Arquidiocese do Rio, em parceria com o Comitê Rio 2016 e instituições católicas alemãs, teve como objetivo proporcionar uma reflexão sobre o potencial do esporte para a promoção da paz e entendimento entre os povos. Além disso, o congresso tratou do compromisso sobre o legado a ser deixado pelos Jogos Olímpicos e Paralímpicos Rio 2016 para a cidade-sede.

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Ao longo do dia, foram debatidos pontos fundamentais para que o legado social se concretize e o Rio possa ser exemplo para eventos futuros. Para isso, foi gerado um documento de intenções, que será enviado aos órgãos responsáveis e ao Comitê Olímpico Internacional (COI).

“A carta é um registro e marco desse diálogo, e busca fazer com que as próximas edições dos Jogos, fora do Brasil ou aqui em nosso território, sejam pensadas com mais atenção, colocando as pessoas no centro das questões”, frisou o representante da Arquidiocese do Rio para o Esporte no Ano Olímpico e coordenador do projeto Rio Se Move, padre Leandro Lenin.

Experiências concretas de projetos sociais integrados para melhoria da vida nas grandes cidades, impacto social de grandes eventos esportivos, potencial da prática esportiva em transmitir valores e desenvolvimento de redes de propagação de valores em sociedade, tendo o esporte como principal ferramenta de trabalho, foram os pontos que nortearam os debates. Para isso, três mesas foram formadas: “Impacto social”, “Treinando pessoas” e “Conectando pessoas”. Em cada uma delas, representantes de diferentes dimensões do assunto falaram sobre projetos e inciativas, o que já deu certo e o que ainda pode ser feito para melhorar o legado social dos Jogos. Para mostrar essas inciativas de forma concreta, houve um momento com testemunhos e um coral com pessoas em situação de rua, antes da abertura das mesas.

“O esporte é um instrumento de desenvolvimento econômico, humano, social, de promoção da paz e também uma ferramenta de evangelização que a nossa Igreja precisa aproveitar no seu pleno potencial. É um fenômeno social relevante, importante, que deve servir também para reforçar a espiritualidade das pessoas”, afirmou o professor de Direito Esportivo da Fundação Getúlio Vargas, Pedro Trengrouse, membro do Conselho da Associação Cultural da Arquidiocese do Rio e Cavalheiro da Ordem do Santo Sepulcro.

Na abertura, estiveram presentes o arcebispo do Rio de Janeiro, Cardeal Orani João Tempesta, o presidente do Comitê Organizador Rio 2016, Carlos Arthur Nuzman, o presidente do Comitê Paralímpico Brasileiro, Andrew Parsons, um membro do COI, Mario Pescante, o prefeito do Rio, Eduardo Paes, e o ministro dos Esportes, Leonardo Picciani. Padre Leandro Lenin e Pedro Trengrouse fizeram a mediação das palestras.

“Nossa intenção foi dar a todos os presentes a dimensão dos contrastes que vivemos, mas de uma forma muito positiva, fazendo com que as várias autoridades da sociedade civil, ao se encontrarem, tivessem a oportunidade de dialogar e testemunhar juntos aquilo que é bom, mas também os desafios da construção dos grandes jogos”, explicou padre Leandro Lenin.

Bênção apostólica

Por ocasião da realização da conferência, o Papa Francisco, por intermédio do secretário de estado, Cardeal Pietro Parolin, enviou uma mensagem a Dom Orani, na qual parabeniza o cardeal pela inciativa e concede bênção apostólica.

“Sua Santidade, o Papa Francisco, informado sobre a realização do ‘Congresso Internacional 100 dias de Paz: o Esporte e o Desenvolvimento Humano’, organizado pela Arquidiocese de São Sebastião do Rio de Janeiro, envia cordial saudação aos organizadores e participantes, juntamente com uma palavra de incentivo, a fim de que esta jornada de reflexões, que une representantes da Igreja, do Comitê Olímpico Internacional, da sociedade civil e do governo brasileiro, ajude a confirmar a atividade esportiva como um exercício da prática da virtude, que fomenta o crescimento integral dos seres humanos e colabora com o desenvolvimento das comunidades. Na certeza de que o esporte possui uma linguagem universal, que aproxima os povos e pode contribuir com a cultura do encontro para superar os conflitos”, disse o secretário no documento.

Dignidade pela arte

A conferência foi aberta com a apresentação de um coral formado por cerca de 40 pessoas em situação de rua que frequentam a Catedral Metropolitana, onde recebem café da manhã semanalmente há 30 anos. Formado por pessoas assistidas pela Pastoral da Caridade Social, é um dos 12 corais que integram o projeto “With One Voice”, coordenado no Rio por Ricardo Franco de Vasconcellos.

A inciativa é um legado das Olimpíadas de 2012, de Londres, quando artistas que viveram nas ruas durante um período de suas vidas fizeram uma performance musical no Royal Opera House, na cidade-sede. Esta ação se repetirá no Rio, em 2016, com apresentações de 18 a 25 de julho, além dessa primeira feita no Museu do Amanhã.

“Serão ocupações no Museu do Amanhã, na Biblioteca Parque, nos Arcos da Lapa, na Cinelândia e no Museu de Arte Moderna. Queremos dar visibilidade para esse trabalho que é desenvolvido desde 2013 aqui no Rio”, explicou o coordenador.

Os instrumentos utilizados na apresentação foram confeccionados pelos próprios artistas com materiais reciclados.

Ricardo Vasconcellos explicou que o principal objetivo desse trabalho é criar pontes de acesso ao coração dessas pessoas. “Elas carregam marcas de tanta dor. Poder oferecer a elas um momento de alegria é ótimo. Afinal, quem não gosta de cantar? Faz bem para o coração e é um alento para a alma. Queremos construir uma relação de amizade com elas e ajudar na descoberta de novos caminhos”, pontuou, explicando que durante as apresentações de julho estarão presentes organizações do Japão, dos EUA, da Austrália, de Portugal e do Reino Unido, com as quais se pretende criar parcerias para dar continuidade à ação.

Rio Se Move

Antes do início dos debates, participantes dos projetos sociais da campanha “Rio se Move”, da arquidiocese, deram seus depoimentos. Uma dessas pessoas foi Maria da Penha Macena, que resiste às remoções iniciadas na Vila Autódromo em 2014.

Ela teve a casa demolida no dia 8 de março deste ano, por causa de um decreto que garante os interesses públicos em detrimento dos privados. No entanto, devido à resistência da população local, a prefeitura aceitou urbanizar a área e construir uma casa nova para cada uma das 20 famílias que ainda residem no lugar e que tiveram suas casas demolidas.

“Tínhamos concessão de uso e, mesmo com os Jogos, poderíamos ficar aqui. Então eu lutei o tempo todo pelo meu direito. O lado ruim é que eu não vou ter a minha casa do jeito que eu construí, mas o lado bom foi que eu consegui ficar no meu local e tive meu direito respeitado, coisa que todo cidadão deveria ter”, disse ela, que quando teve a casa demolida, foi acolhida, com sua família, na Capela São José Operário, na Vila Autódromo, da Paróquia Nossa Senhora da Saúde.

Impacto Social

O impacto social que os grandes eventos esportivos têm sobre a população das cidades foi tema da primeira mesa, composta por Pedro Trengrouse, pelo presidente do Comitê Brasileiro Pierre de Coubertin e professor titular e coordenador do Grupo de Pesquisa em Estudos Olímpicos da PUC-RS, Nelson Todt, pelo presidente da Empresa Olímpica Municipal (EOM), Joaquim Monteiro, e pelo professor da Uerj e um dos autores do livro “Futuro dos Megaeventos Esportivos”, Cristiano Belém.

Nelson Todt explicou que a finalidade do Comitê Brasileiro Pierre de Coubertin é tornar conhecida a história do francês (Coubertin), que foi o criador das Olimpíadas modernas.

“Só na abertura, mais de 4 bilhões de pessoas ficam na frente da televisão para assistir a um evento criado por esse homem. Mas por que elas fazem isso? Porque essas cerimônias estão revestidas de simbolismos, mensagens que ele idealizou quando criou o movimento olímpico. E essas mensagens falam de paz, de fé, de respeito às diferenças”, afirmou.

Ele falou sobre a criação do Comitê Olímpico, em 1894, em um período em que a Primeira Guerra Mundial já era quase uma realidade na Europa. Segundo Nelson, “era necessário criar um movimento que pudesse ajudar no entendimento desses povos e nações”, e foi assim que surgiram as Olimpíadas. Até hoje o evento promove a Trégua Olímpica, uma tradição dos Jogos da antiguidade que foi retomada na década de 90 e prevê uma trégua em conflitos que possam estar acontecendo dentro de países membros da ONU durante o período dos Jogos.

O pesquisador afirmou que além de um legado tangível, há o legado intangível dos Jogos Olímpicos.

“O legado tangível é facilmente inidentificável – estádios, ginásios, obras do metrô, BRT –, mas o intangível é composto por coisas não quantificáveis porque são subjetivas. Neste, encontramos a parte cultural, educacional, a mensagem de paz. Não quantificamos, mas não quer dizer que não exista”, explicou. “E esse congresso aqui hoje é parte da construção desse legado”, frisou.

Transmissão de valores

“A pessoa só pode ser transformada de uma maneira integral: ela vai ter que trabalhar a parte física, a parte técnica, o comportamento e também a parte espiritual, que passa a ser fundamental”, afirmou Talmo Oliveira, campeão olímpico de vôlei em Barcelona (1992) e ex-treinador de vôlei do Sesi-SP. Ele foi um dos integrantes da segunda mesa de debates, formada também pelo ex-jogador da Seleção Brasileira de Vôlei e coach do Comitê Olímpico Brasileiro (COB), Antônio Moreno, pelo treinador de basquete da Seleção Brasileira e do Flamengo e atual campeão da Liga Nacional de Basquete, José Neto, e pelo treinador de levantamento de peso da Marinha, tenente Aveiro.

Os quatro convidados, conhecidos por treinarem muito bem seus atletas, de maneira integral, versaram sobre os meios de transmissão de valores através do esporte. Talmo explicou que o mais importante a se ter em mente ao treinar atletas e pessoas é que o exemplo é o principal. “As minhas atitudes, o meu comportamento, não podem jamais ser contrários ao que eu falo. O que eu falo é o que eu vivo, e isso passa de forma verdadeira paras as pessoas com as quais eu convivo”, afirmou. Ele disse também que o trabalho em equipe pressupõe alguns valores, como respeito às diferenças e aos limites do outro, que devem ser passados a esses atletas.

Conectando Pessoas

No último painel, representantes de ONGs e projetos sociais falaram sobre formas de se criar redes globais para a promoção de valores, utilizando o esporte como ferramenta de transformação social. Formaram a mesa o membro do Conselho de Representantes da Rede do Esporte para Mudança Social (Rems), Gabriel Mayr, e os representantes da Companhia Alemã para Cooperação Internacional (GIZ), Steffen Muenzs, da Adveniat, Stephan Jentgens, e do Projeto Transforma, Vanderson Berbat.

“A realização de uma conferência para debater o potencial do esporte como promotor da paz no mundo por meio de seus valores é extremamente importante e contribui para consolidar o entendimento de que o esporte é um fator de transformação poderoso”, destacou Gabriel Mayr. Ele afirmou que a atuação em rede, como é o caso da Rems, que articula 77 organizações, colabora para a criação, ampliação e qualificação das políticas públicas voltadas ao esporte.

Medalha dos Valores

Ao final, houve a premiação de entidades e projetos que promovem atividades relacionadas ao legado de paz e desenvolvimento social dos Jogos com medalhas denominadas “Medalha dos Valores”.

“O prêmio foi criado para esse congresso dentro do grande projeto ‘Rio se Move’. Portanto, todos aqueles que se movimentam por uma grande causa são pessoas que merecem. Claro que é um prêmio dado pelas mãos humanas, simbólico, mas ele fala de algo que é divino: caridade, solidariedade, fraternidade”, destacou o padre Leandro Lenin.

Encerramento

Ao final do evento, houve uma apresentação musical com a cantora Olivia Ferreira e a bateria da G.R.E.S. Mangueira.

Por Nathalia Cardoso / Arquidiocese de São Sebastião do Rio de Janeiro

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