Capuchinhos difundem o Carisma franciscano no Haiti

Missão visa desenvolvimento da vida plena, no âmbito espiritual, físico e psicológico

Há nove anos em missão no Sul do Haiti, em Abacou, Beroud, Corail e Porto Príncipe, a Província dos Frades Menores Capuchinhos do Rio Grande do Sul leva o rosto franciscano às comunidades daquele país, onde as necessidades vão dos itens básicos de higiene à saúde, educação, moradia, transportes e trabalho. A sede da missão haitiana fica na capital Porto Príncipe, distante mais de 200 quilômetros da missão em Abacou. Lá, três frades capuchinhos, Lori Vergani, Adir Crócoli e Sérgio Defendi, se juntam a outras congregações para ajudar os haitianos a construir sua história a partir do olhar de Jesus Cristo. Conversamos com frei Lori Vergani, que está no Brasil, e frei Nilmar Gatto, conselheiro provincial, que falaram sobre a missão no Haiti.

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Por que o senhor foi para o Haiti?

Frei Lori Vergani: Não fui por conta própria, mas representando os freis capuchinhos do Rio Grande do Sul, com a confiança e o suporte dos frades, com apoio espiritual, humano e fraterno, mas também apoio econômico. Quando vamos para um país como o Haiti, precisamos ir não só com os meios espirituais para o desenvolvimento da vida integral, mas também com meios físicos.

Eu tive a oportunidade de ir à República Centro-Africana e ao Chade, onde os freis capuchinhos da Itália, da França e da Polônia estão presentes. À época, alguns freis estavam na República Centro-Africana há mais de 40 anos. Então eu perguntei para eles: – Depois de 40 anos na África, o que foi que mudou? Frei Ditto respondeu: – Quase nada. Então fiz nova pergunta: – Por que continua aqui se, com a tua presença, nada mudou? A resposta foi: – Porque eu acredito na vida!

Acho que é isso que vale a pena, acreditar na vida, mesmo que a nossa presença seja apenas uma gota de água no mar de miséria que eles vivem. Alterar o modo de vida deles, as condições de vida, isso já vale a pena.

Como é a realidade do país, como eles vivem lá?

Frei Lori: O Haiti é a primeira república negra do mundo, o país mais pobre da América Latina. Não cabe a nós buscar quais os motivos, as implicâncias políticas e religiosas. Não é essa nossa função, mas diante dessa realidade somos convidados a não ficar de braços cruzados, simplesmente tendo piedade. Somos chamados a agir.

Os capuchinhos estão no Sul da península, a uma distância de 300 quilômetros do Norte; porém, mais importante do que as distâncias medidas em quilômetros, é o tempo que se gasta para ir de um lugar a outro, devido às condições das estradas. Há rodovias sendo construídas agora. Há nove anos, quando chegamos no Haiti, para percorrer 130 quilômetros levava-se 12 horas, atualmente é possível fazer o mesmo trajeto em quatro horas.

Quais suas primeiras impressões, ao chegar no Haiti. O que mais lhe impactou?

Frei Nilmar Gatto – Aquilo que se houve aqui é diferente do que se vê lá. Sabemos que é um povo sofrido, que passa por dificuldades políticas, sociais e econômicas. Mesmo distantes, temos alguma ideia das necessidades deles, mas quando chegamos lá e nos deparamos com a realidade do Haiti, percebemos que os problemas são ainda maiores do que imaginávamos.

Não queremos transmitir apenas uma visão negativa, mas é importante falarmos disso para estimular nossas comunidades, que hoje convivem com imigrantes haitianos, a olharem para eles de forma diferente, acolhedora, porque são pessoas que vieram buscar uma vida mais digna. Eles vieram para o Brasil em busca de esperança. No Haiti, encontramos pessoas caminhando nas estradas, por dezenas de quilômetros, em todos os lugares, sem esperança. É um caminhar em busca do nada.

Conversei com um colaborador nosso, em Caxias do Sul, cidade que recebeu muitos imigrantes. Ele teve a oportunidade de estar com um casal de haitianos e perguntou por que eles vinham para o Brasil se, aqui, nós também temos dificuldades de emprego. É comum ver haitianos nas ruas de Caxias, com um currículo na mão, para cima e para baixo, em busca de um trabalho remunerado. Esse haitiano respondeu ao nosso colaborador que lá no seu país eles também caminham muito, mas sem esperança. Aqui, andam com um currículo na mão. Essa é a imagem que eu tenho de lá, que me impactou: pessoas que caminham nas estradas sem expectativa de encontrar algo de novo.

Que aspectos da cultura do povo haitiano chamam a sua atenção?

Frei Lori: Eles amam a sua pátria. Inclusive há uma expressão utilizada lá, “Haiti cherim”, que significa querido Haiti. Isso é louvável. De fato, o Haiti é um lindo país; inclusive, no Norte, há locais turísticos luxuosos, que recebem cruzeiros dos Estados Unidos, França e Canadá. O que o haitiano não ama do próprio país são as condições atuais de vida, a corrupção. Há muito dinheiro no país, mas poucos aproveitam essa riqueza. A Justiça não funciona no país. Em consequência, quem paga pela falta de meios é a população.

É muito louvável, no Haiti, a maneira simples de viver, humilde e aberta. Todo mundo abre as portas para acolher quem quer que seja, não só a família sanguínea, mas quem aparece. Isto é uma coisa muito bonita, é algo que a gente percebe na medida em que visita as famílias. Claro, na cidade, os hábitos de vida social são um pouco diferentes daqueles do interior.

CR: O senhor teve, em alguns momentos, vontade de voltar?

Frei Lori: Por questões de saúde sim, mas não pela difícil realidade de lá. Eu sempre desejei ser missionário; então, quando o momento chegou, não podia renegar. Fui motivado pela razão da fé, sempre. Agora, estou de volta para um período de retiro espiritual, descanso e convivência com os frades da província gaúcha.

Por que a Igreja assume essas frentes?

Frei Nilmar: Eu falo um pouco da experiência que tive agora no Haiti. Lá, eles não precisam de padres para rezar missa. Eles têm padres e até exportam para outros países, as vocações são abundantes e a preparação de novos padres também. O que eles precisam é da vida. Eles passam muitas dificuldades nos níveis político, social e econômico. Nós temos que nos envolver nisto.

Freis atuam para estabelecer Ordem Capuchinha

Por que a opção pelo Haiti?

Frei Nilmar: O ministro-geral nos deu a incumbência de estabelecer a Ordem Capuchinha no Haiti. Iniciamos assistindo também a República Dominicana. No final de 2014, assumimos, como Ordem dos Capuchinhos do Rio Grande do Sul, a missão no Haiti. Na República Dominicana a responsabilidade ficou com a Ordem em Roma. Nossa presença visa estabelecer a espiritualidade de São Francisco de Assis, junto desta população, mas especialmente mostrar o nosso rosto capuchinho.

O rosto capuchinho passa pelo rosto misericordioso de Jesus. A nossa presença lá envolve isso, lutar pela vida, acreditar na plenitude da vida e mostrar a misericórdia de Deus-pai. Certamente, aí está a ressurreição de Jesus, aí está a passagem para a vida nova, na experiência que nós religiosos fazemos lá.

Como a Igreja está organizada no Haiti?

Frei Lori: Aquilo que nós chamamos de estado, lá se chama departamento. Dentro de cada departamento pode haver uma ou mais dioceses. São em torno de 12 dioceses compostas por paróquias. A diocese onde nós atuamos, a diocese de Cai, é formada por 52 paróquias, duas delas foram erigidas quando nós chegamos lá e, então, foram confiadas a nós. Não havia igreja, nós começamos construindo um espaço de culto, com pau de coqueiro nas paredes e coberto de lona. No último ano, graças a Deus, com os benfeitores e a solidariedade, foi possível construir as duas igrejas.

Muitas famílias aqui no Rio Grande do Sul contribuíram para a missão no Haiti, certo?

Frei Lori: Todo auxílio é bem-vindo. As contribuições nos ajudaram muito, e continuam auxiliando. Na Paróquia Imaculada Conceição, dos capuchinhos de Caxias do Sul, a verba obtida com as festas realizadas no último domingo de cada mês de agosto é destinada à missão no Haiti. Não atuamos só no campo espiritual da evangelização, mas também no físico, que é a saúde, o intelecto, a educação. Penso que o que mais sensibiliza aqueles que nos ajudam é o fato de buscarmos o desenvolvimento da pessoa integral, em todas as suas dimensões. Claro que falamos de fé, mas a pessoa não é só fé; é também saúde, higiene, educação, físico e intelectual.

O que os missionários capuchinhos já construíram?

Frei Lori: Fizemos muitas coisas, é até difícil contabilizar tudo. Eu mencionei, no início, os aspectos da vida plena (espiritual, físico, político e psicológico). Espiritualmente, nos envolvemos com a civilização, o que não compreende só o sacramento, mas a relação com o povo a partir de uma visão de fé, cristã. Essa dimensão espiritual e da fé me leva a estar junto com o outro, entendendo que ele tem o mesmo direito, a mesma dignidade que eu. Então, minha presença, meu olhar não é de superioridade, de colonizador, mas de irmão.

O bispo, no Haiti, nos confiou a visita às famílias, os sacramentos e a construção das duas igrejas. Certamente, ele não iria dar para os missionários estrangeiros um lugar já bem estabelecido, porque ele sabe que os missionários não chegam ao Haiti de mãos vazias, de bolsos vazios. Ele nos ofereceu uma realidade dura, difícil, pobre, sem nada, porque acreditou também na ida de meios. Claro que não chegamos de bolso e mãos cheias, mas aos poucos fomos realizando essa obra, que é a igreja material, física e necessária.

Há também dois postos de saúde sob a coordenação dos capuchinhos?

Frei Lori: Sim. Um deles nós construímos; o outro herdamos da missão dos capuchinhos do Quebec e administramos, não economicamente, porque o Canadá continua ajudando, mas em termos de administração física. Agora também contamos com as irmãs de Santa Catarina, que nos ajudam com a saúde nas escolas da região. Atendemos todas as crianças e alunos de forma gratuita. Em uma das escolas que atendemos, em Abacou, são 1.700 alunos e todos recebem, duas vezes por ano, atendimento e consultas gratuitas. No posto de saúde que nos foi confiado pelo Canadá, são em torno de 1.400 atendimentos gratuitos.

Nos últimos dois anos, o estado está enviando para as escolas remédios que combatem vermes e parasitas. Os dois postos de saúde que administramos não pertencem ao estado, graças aos benfeitores se mantém o atendimento gratuito.

E na área da educação, algum feito?

Frei Lori: Por enquanto, não temos escolas, mas assistimos duas instituições ligadas à paróquia. Nós buscamos meios para pagar os professores, porque os familiares não podem assumir esse custo. Vendo essa realidade, não podíamos ficar de braços cruzados. No segundo ano da nossa presença no Haiti, conseguimos, em Caxias do Sul, Marau, Flores da Cunha e outras cidades, apadrinhamento para mais de 700 crianças.

Quando chegamos em Abacou, não havia eletricidade. Logo pensamos em colocar eletricidade na casa dos freis; mas, ao mesmo tempo, refleti: se eu colocar eletricidade aqui, vamos beneficiar apenas nosso grupo. E o povo que vive nestas condições? Então surgiu a ideia de colocar energia solar, para beneficiar também a população.

Com a energia solar, apresentamos a informática ao povo. Naquele tempo, a informática ainda não era muito desenvolvida no Haiti, mas, depois, foi avançando rapidamente. Tivemos uma visão de futuro, buscamos dar ao povo um conhecimento mais moderno. Penso que conseguimos.

Agora, Abacou tem energia elétrica pública, mas nós vivemos mais de cinco anos ali com a energia solar. De tal modo que, frei Sérgio e frei Reginaldo, que estavam lá na época, deram à escola de informática o nome de “E´cle Informatique Frére Solail”, Escola de Informática Irmão Sol, porque nós tínhamos aula de informática graças ao sol, que nos dava energia.

A presença dos capuchinhos no Haiti, hoje, se assemelha à história iniciada há 120 anos, quando os primeiros freis chegaram no Rio Grande do Sul?

Frei Nilmar: A história é idêntica, porém, com culturas diferentes. Há 120 anos, quando os capuchinhos chegaram em solo gaúcho, também encontraram uma população necessitada. Eu percebi, na visita que fiz ao Haiti, o esforço da Ordem para levar em frente a missão, embora esse esforço seja um grãozinho de areia no mar.

Na visita, constatei as necessidades urgentes com que se deparavam os missionários, à medida que assumiam novas frentes no Haiti. Necessidade de posto de saúde, escola, saneamento. Os freis foram construindo tudo isso, junto com a população, especialmente em Abacou. O local é um paraíso, com direito a praia, e os freis foram ajudando o povo a conservar um pouquinho daquele paraíso, respeitando a cultura deles, a forma como eles agiam, o que sentiam.

Fonte: Capuchinhos do Brasil /CCB

Por Frei João Carlos Romanini (Frat. Imaculada Conceição)

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